*LRCA Defense Consulting - 10/03/2024
Em termos de Artilharia Antiaérea, a situação do Brasil é, para dizer o mínimo, muito preocupante, pois as Forças Armadas não possuem nenhuma arma terrestre ou naval que possa fazer frente a ameaças aéreas que operem em média altitude (entre 3.000 e 15.000 metros) ou mais, o que significa que todo o trabalho teria que ser feito pelos caças Gripen e F5. Apenas como ilustração, os caças Sukhoi 30 e F16 A/B venezuelanos, assim como os F16 chilenos (e, talvez, os futuros F16 argentinos) e até os IAI Kfir colombianos têm teto de emprego superior a 15.000 metros de altitude.
Evidentemente, as preocupações nesse sentido não são novas e já houve delegações do Exército visitando diversos países e fabricantes à procura de sistemas antiaéreos de média altitude. Suécia, em 2019, e Índia e China, em 2023, são apenas três exemplos.
Felizmente, uma parcela dessa lacuna em nossa defesa antiaérea poderá mudar em breve, caso as negociações em curso evoluam positivamente.
Índia: a hipótese mais promissora
Dos três países citados, acredita-se que seja com a Índia que o Brasil tenha maiores chances de fazer negócio.
Em fevereiro de 2023, a
Embraer apresentou o C-390 como sua oferta para
os requisitos de aeronaves de transporte médio (MTA) da Força Aérea Indiana (IAF) para uma aquisição entre 40 e 80
aeronaves. O C-390 é uma moderníssima plataforma multitarefa que atende plenamente os requisitos estabelecidos pela Índia para o MTA; além disso, pode
desempenhar o papel de um avião-tanque de reabastecimento militar. Na época, a imprensa indiana especulou que a Embraer teria se oferecido para construir a aeronave
completamente na Índia, podendo ainda construir os jatos da série E2 nesse país, caso a IAF viesse a adquirir o C-390.
Arte: Air Data News |
Do final de agosto ao início de setembro de 2023, o Comandante do Exército Brasileiro, General Tomás Miguel Ribeiro Paiva, acompanhado por uma delegação oficial, esteve em visita de seis dias à Índia, naquela que foi a primeira vez que um Comandante do Exército Brasileiro viajou a esse país. Esta visita antecedeu a Cúpula do G20 onde o Presidente do Brasil participou e assumiu cerimonialmente a presidência do G20.
O General Tomás se encontrou com o chefe do Estado-Maior da Defesa da
Índia, General Anil Chauhan, e com o secretário da Defesa. A comitiva brasileira também visitou os campos de tiro de Pokhran e testemunhou uma
série de sistemas indianos em operação, que supostamente levaram ao
interesse do Brasil pelo sistema AKASH SAM (Surface to
Air Missile), projetado e desenvolvido de forma autóctone pela Organização de Pesquisa e Desenvolvimento de Defesa (DRDO) e fabricado pela Bharat Electronics Limited (BEL) e pela Bharat Dynamics Limited (BDL).
A comitiva também demonstrou interesse pela plataforma WhAP
Armored (Wheeled Armored Protection - plataforma blindada anfíbia sobre rodas 8x8 para transporte de pessoal e outras missões), desenvolvida em conjunto com a DRDO e fabricado pela Tata Advanced Systems Limited.
De maneira simplificada, o AKASH é um sistema de mísseis superfície-ar de curto
alcance para proteger áreas e pontos vulneráveis de ataques aéreos. O
Akash Weapon System (AWS) pode atacar simultaneamente vários alvos no
modo de grupo ou no modo autônomo e possui recursos integrados de contra-medidas eletrônicas (ECCM). Todo o sistema de armas foi
configurado em plataformas móveis. Sua faixa de operação é de 4,5 km a
25 km e a altitude de operação é de 100m até 20km.
A WhAP 8x8 (Plataforma Anfíbia Blindada com Rodas) possui várias variantes, como viatura blindada de combate, viatura CBRN (química, biológica, radiológica e nuclear), viatura de reconhecimento e suporte, viatura de evacuação médica, viatura de engenharia, viatura porta-morteiro, viatura de comando e viatura de mísseis guiados antitanque.
A delegação visitou ainda as instalações da Hindustan Aeronautics em Bengaluru e manteve discussões sobre a construção de cadeias de abastecimento comuns e produção complementar que podem ajudar ambas as nações a evitar futuros embargos comerciais.
Dessa visita, supõe-se que Índia e o Brasil poderiam estar considerando um acordo quid pro quo, onde a Índia compraria o C-390 em troca de o Brasil adquirir o sistema de mísseis antiaéreos AKASH SAM e/ou a plataforma WhAP 8x8 e/ou até mesmo helicópteros indianos.
Em 29/09/2023, os portais indianos de notícias Indian Defence Research Wing e Republic World
divulgaram que o Chefe do Estado-Maior do Exército Brasileiro, General Fernando José
Santana Soares e Silva, teria revelado que o Brasil estaria interessado em
adquirir o sistema de defesa aérea de média altitude AKASH desenvolvido e
produzido na Índia. No entanto, esse interesse estaria acompanhado de uma
proposta única: um acordo de permuta, onde o Brasil estaria disposto a adquirir o
sistema se a Índia concordasse em comprar aeronaves da Embraer.
Os portais destacaram que esta proposta manifestaria a vontade do
Brasil de explorar colaborações de defesa mutuamente benéficas com a
Índia, aproveitando a sua vasta experiência na fabricação de aeronaves,
particularmente com a Embraer. O potencial intercâmbio poderia melhorar
as capacidades de defesa de ambos os países, ao mesmo tempo que
promoveria laços bilaterais mais fortes.
Vale voltar a lembrar aqui que o Exército Brasileiro até o momento não
opera nenhum sistema SAM de média altitude e, caso o Brasil compre o AKASH, ele facilmente se tornará a joia da coroa para as unidades de
defesa antiaérea brasileiras. Pelo menos, até que o Brasil adquira ou desenvolva um sistema de médio/longo alcance e/ou de alta altitude.
Nova comitiva militar brasileira na Índia
Em Portaria de 21 de fevereiro último, o Comandante do Exército designou quatro militares para participar do "Intercâmbio Multidisciplinar de Cooperação na Área de Produtos de Defesa, entre o Exército Brasileiro e Empresas da Base Industrial de Defesa da República da Índia, nas cidades de Nova Delhi, Bengaluru, Hyderabad, Pune e Agra, na República da Índia, no período de 14 a 26 de março de 2024".
São eles:
- General de Brigada Marcelo Rocha Lima, do Estado-Maior do Exército (EME), Chefe do Escritório de Projetos do Exército;
- Coronel R/1 de Artilharia Márcio Faccin de Alencar, do EME: Especialista em Artilharia Antiaérea pela Escola de Artilharia de Costa e Antiaérea e ex-comandante do 3º Grupo de Artilharia Antiaérea; em 2019, realizou visita técnica à Saab, fabricante do sistema de defesa aérea de média altura BAMSE, na cidade de Karlskoga, Suécia.
- Coronel R/1 de Artilharia Cezar Carriel Benetti, do Comando da Artilharia Divisionária da 5ª Divisão de Exército; especialista em Diplomacia e Relações Internacionais;
- Capitão de Infantaria Maicon Sousa Ávila Oviedo, do Centro de Instrução de Blindados, especialista na Viatura Blindada de Transporte de Pessoal M113 e na Viatura Blindada Especial Posto de Comando M577 A2.
O caráter eminentemente técnico da comitiva - caracterizado pela presença do Chefe do Escritório de Projetos do EB, de dois coronéis especialistas em Artilharia, sendo um em Antiaérea e outro em Relações Internacionais, e de um Capitão especialista em blindados de transporte de pessoal, todos em visita a "Empresas da Base Industrial de Defesa" da Índia - tende a indicar que o Exército, após um primeiro e vivo interesse demonstrado por seu Comandante, pretende aprofundar as negociações sobre o sistema de artilharia antiaérea de média altitude AKASH e, também, sobre a plataforma de viaturas blindadas anfíbias 8x8 WhAP Armored.
Caso o Brasil adquira o sistema AKASH, irá se tornar o segundo país do mundo a fazê-lo, haja vista que a Armênia receberá, nos próximos meses, a primeira leva exportada pela Índia, fato que marcará um novo e importante capítulo nas exportações de defesa do país asiático.
Indubitavelmente, a aquisição do sistema AKASH por um país do tamanho e da importância geopolítica do Brasil seria fundamental para a Índia firmar seu produto no mercado mundial de defesa, o que poderá levá-la a um grande esforço nesse sentido. Isso sem contar com o surpreendente interesse brasileiro pela plataforma de viaturas blindadas 8x8 WhAP Armored.
E a Embraer?
O aumento do interesse do Exército Brasileiro nos sistemas indianos, além de poder fechar parcialmente a grande lacuna na defesa antiaérea brasileira de média altitude (caso o negócio seja concretizado), pode também assumir um significado bem mais amplo caso a aquisição do C-390 da Embraer pela Força Aérea Indiana esteja realmente no bojo das negociações.
É esperar para ver...
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