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04 novembro, 2022

A aquisição e produção de um avião supersônico [o caso do caça Gripen]


*OBSERVATÓRIO MILITAR da Praia Vermelha, por Rodrigo Tavares Ferreira - 04/11/2022

1. Introdução

A plataforma aeronáutica militar abrange o conjunto de aeronaves e equipamentos aeronáuticos utilizados em missões militares, que vão desde os aviões de combate, como o caça, até as aeronaves de transporte, treinamento, busca e salvamento. O Estado é o principal, talvez o único comprador, para a maioria dessas plataformas (FERREIRA, 2016). As aeronaves militares, por sua vez, são produtos complexos, pois são integrados por diversos sistemas e componentes, o que torna imprescindível para a sua produção a absorção de inovações tecnológicas, desenvolvidas por diversos ramos da indústria como a eletrônica, a mecânica e a de materiais.

Para tornar este negócio economicamente viável, os fabricantes adotam uma estrutura produtiva dual, ofertando produtos e serviços para o mercado militar e civil (FERREIRA, 2016; CROUCH, 2008; FRENKEN, 2000). A relevância deste assunto pode ser demonstrada em números. Para que se tenha uma ideia dos valores movimentados por este ramo, as empresas que fabricam as plataformas aeronáuticas militares apresentaram receitas na casa de US$ 181,2 bilhões em 2015. Nesse segmento, encontram-se empresas como as norte-americanas Lockheed Martin e Boeing, a britânica BAE Systems, a italiana Finmeccanica, a russa Russian Helicopters e a sueca SAAB (FERREIRA, 2016).

A empresa brasileira Embraer também atua neste ramo. Com foco voltado na fabricação de aviões, a EMBRAER ocupa uma posição de destaque no mercado internacional. Em 2021, a EMBRAER apresentou uma receita líquida de US$ 4,60 bilhões. Como dados, cumpre ressaltar que a indústria aeronáutica brasileira produz cerda de 60% dos aviões e 40% dos helicópteros utilizados nas Forças Armadas (ISTO É, 2022; FERREIRA, 2016; FERREIRA, 2009).

Considerando a relevância das informações anteriormente mencionadas e pelo fato de o Brasil ter adquirido recentemente a aeronave Gripen junto à empresa sueca SAAB, surge o seguinte questionamento: Como é realizada a aquisição e a produção de um avião supersônico?

Para responder este questionamento, este artigo está estruturado da seguinte forma: incialmente realiza-se uma breve introdução seguida do anúncio da pergunta que norteia este artigo. Na sequência, discorre-se sobre o planejamento estratégico para a aquisição do caça Gripen. Após, realiza-se uma apresentação sobre a cadeia de suprimentos para produção do caça Gripen. Depois disso, descreve-se sobre o modal de transporte utilizado para a entrega do caça Gripen ao Brasil. Em seguida, são tecidos alguns detalhes adicionais sobre o regime especial de tributação e a sua importância para a aquisição do caça Gripen. Na parte final deste artigo, são realizadas algumas considerações sobre a aquisição e a produção do caça Gripen.

2. O Planejamento Estratégico para a aquisição do caça Gripen

O Governo Brasileiro, de acordo com o planejamento estratégico previsto no Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), autorizou a Força Aérea Brasileira, por meio do projeto F-X2, a adquirir aeronaves caça de última geração, para cumprir um variado leque de missões, como a defesa aérea, o ataque e o reconhecimento aéreo (FERREIRA, 2016; BRASIL, 2020; FAB, 2021; SOUZA, 2021). Além da aquisição de novas aeronaves, outro objetivo é a obtenção e transferência de tecnologia importada, capacitando a indústria nacional a produzir aviões supersônicos (SAAB, 2021; SOUZA, 2021; FERREIRA, 2016).

Para isso, a Força Aérea Brasileira determinou alguns requisitos para as empresas interessadas no projeto F-X2, tais como: o Know-how para a fabricação de aviões supersônicos para a Embraer e suas parceiras nacionais, a adaptação da aeronave a necessidade do cliente, a construção de uma cadeia de suprimento complexa, a produção e montagem do avião, o transporte das aeronaves e a realização do suporte com o treinamento de pilotos e mecânicos (ABRACOMEX, 2022; SAAB, 2021; SOUZA, 2021; FERREIRA, 2016).

3. A Cadeia de Suprimentos para produção do caça Gripen

A fabricante sueca SAAB, responsável pelo avião Gripen, obedeceu a todos os requisitos técnicos e, assim, foi iniciada a aquisição de 36 aeronaves F-39 Gripen, ao custo de R$13,4 bilhões. A partir deste ponto, iniciou-se o planejamento para as atividades da cadeia de suprimento do caça Gripen, visando o seu desenvolvimento e produção (FERREIRA, 2016; FAB, 2021; SAAB, 2021; SOUZA, 2021).

Primeiramente, a SAAB empreendeu a prospecção de empresas nacionais, com a capacidade de fornecer materiais de alta tecnologia. Como resultado, a SAAB estabeleceu parcerias estratégicas com seis empresas e estas forneceram os insumos necessários à produção do caça Gripen, conforme discriminado a seguir:

Primeira Empresa - EMBRAER

Empresa responsável pelo desenvolvimento conjunto na área de engenharia, integração final, produção, ensaios em voo e suporte logístico (SAAB, 2021). A Embraer irá coordenar todas as atividades de produção no país, incluindo a integração dos sistemas, a montagem final, os testes em voo e as entregas para a FAB (SAAB, 2021; ANDRADE, 2016; STOCHERO, 2014).

Segunda Empresa - AKAER:

Empresa responsável pelo desenvolvimento das estruturas para aviação com o projeto da fuselagem traseira, fuselagem central, asas, portas do trem de pouso principal, local de instalação do canhão, assessoria na área de manufatura e de projetos elétricos (SAAB, 2021).

Terceira Empresa - AEL SISTEMAS:

Empresa responsável pelo fornecimento dos três displays de cabine do Gripen: o Wide Area Display (WAD), o Helmet-Mounted Display (HMD) e o Head-up Display (HUD). Em novembro de 2018, a AEL Sistemas passou a integrar a cadeia global da Saab (SAAB, 2021).

Quarta Empresa - ATECH

Empresa responsável pelo fornecimento dos simuladores, dos sistemas de treinamento e dos sistemas de apoio terrestre (SAAB, 2021).

Quinta Empresa -  SAAB AERONÁUTICA MONTAGENS

Empresa responsável pela produção de aero estruturas do cone de cauda, dos freios aerodinâmicos, do caixão das asas, da fuselagem traseira e da fuselagem dianteira (SAAB, 2021).

Sexta Empresa - SAAB SENSORES E SERVIÇOS DO BRASIL

Empresa responsável pelo suporte logístico e técnico para o radar, para o sensor de busca de alvos por infravermelho e para os sistemas de guerra eletrônica (SAAB, 2021).

Para o processo de fabricação dos caças Gripen, a EMBRAER e a SAAB estabeleceram um acordo para o desenvolvimento final e a produção da aeronave Os primeiros 21 caças serão produzidos na SAAB (situada na Suécia), na EMBRAER (situada em Gavião Peixoto-SP), na AKAER (situada em São Bernardo do Campo-SP) e na SAAB Aeronáutica Montagens (também situada em São Bernardo do Campo-SP). As 15 aeronaves restantes deverão ser totalmente montadas no Brasil, sob a liderança da EMBRAER (SAAB, 2021; ANDRADE, 2016; STOCHERO, 2014).

A fase final do projeto é a entrega do caça Gripen à Força Aérea Brasileira. As aeronaves serão entregues no Gripen Flight and Test Centre (GFTC), unidade conjunta da SAAB e EMBRAER, situada na cidade de Gavião Peixoto-SP. Neste local, os pilotos e técnicos, das empresas e da Força Aérea Brasileira, empreenderão os testes finais nos aviões, homologando os mesmos a efetivar os voos para diversas regiões e países. Depois disso, as aeronaves serão entregues em definitivo para a Força Aérea Brasileira, finalizando o projeto (VALOR ECONÔMICO, 2022).

4. O modal de transporte utilizado para a entrega do caça Gripen ao Brasil

Os aviões não poderiam vir voando da Suécia até o Brasil pelos seguintes motivos: o primeiro é a distância de 10.000 km entre os países. Tendo em vista que estas aeronaves possuem uma autonomia de voo de 4.000 km, as aeronaves precisariam fazer dois reabastecimentos, o que tornaria a operação muito custosa; o segundo motivo é a falta de habilitação da aeronave para o voo, que é concedida por uma autoridade aeronáutica (FOLHA DE S. PAULO, 2022; VALOR ECONÔMICO, 2022).

A solução foi transportar os aviões por navio. O modal de transporte marítimo é o modal mais utilizado no transporte internacional para longas distâncias, pois tem o menor custo de transporte, possui uma enorme capacidade de carga e pode carregar qualquer tipo de carga, como os caças Gripen (ABRACOMEX, 2022a).

Tendo como premissa de que as aeronaves chegariam no Brasil em portos, surgiram outros desafios a serem superados, quais sejam: o primeiro era relativo ao porto, que precisava estar situado próximo a um aeroporto, local de onde os aviões seguiriam voando até a Gavião Peixoto-SP; o segundo era otimizar o translado das aeronaves do porto até o aeroporto, pois evitaria que o mesmo ficasse exposto nas ruas da cidade. Desse modo, a escolha recaiu sobre o porto de Navegantes (SC), localizado a menos de 3 quilômetros do aeroporto internacional de Santa Catarina (AEROIN, 2022; NSC, 2022; VALOR ECONÔMICO, 2022).

Por conseguinte, os dois primeiros aviões foram transportados da Suécia para o Brasil. Depois de 23 dias, o navio cargueiro holandês Marsgracht, chegou ao porto de Navegantes, localizado no estado de Santa Catarina.

5. O Regime especial de tributação e a sua importância para a aquisição do caça Gripen

Este complexo sistema logístico, envolvendo uma empresa estrangeira e diversas empresas nacionais, foi possível, devido a promulgação da lei nº 12.598/2012, que estabeleceu as normas especiais para compras, contratações e desenvolvimento de produtos e sistemas de defesa (BRASIL, 2012). Esta lei regulamentou o benefício do Regime Especial de Tributação para a Indústria de Defesa (RETID), permitindo que as empresas estratégicas de defesa nacionais participem em melhores condições competitivas nas licitações dos projetos de reaparelhamento das Forças Armadas brasileiras (SOUZA, 2021).

Por meio desta lei, as empresas da Base Industrial de Defesa, recebem benefícios fiscais que desoneram praticamente toda a cadeia produtiva, tanto no mercado interno, quanto para a importação. O RETID é aplicado sobre a Cofins. As exonerações de tributos contribuem para a redução dos custos de produção, permitindo assim, uma redução média de 36,87% no preço final dos produtos para as Forças Armadas brasileiras (SOUZA, 2021).

6. Conclusão

A aquisição de uma aeronave de combate, como o caça Gripen, é um projeto complexo e de difícil execução. Um avião deste tipo, com uma enorme quantidade de tecnologia embarcada, não é um item “de prateleira” disponível para comprar a qualquer momento. Para a sua obtenção, faz-se necessário um planejamento estratégico no nível do Governo Federal, envolvendo não só a Força Aérea Brasileira, como também, diversas empresas nacionais e estrangeiras.

No caso do Gripen, o resultado observado com a sua compra foi o enorme ganho tecnológico proporcionado às empresas brasileiras participantes da cadeia produtiva da aeronave, como por exemplo, a AEL SISTEMAS, que passou a integrar a cadeia global da SAAB, e a Embraer ,que está obtendo o know how para a produção de aviões supersônicos. Assim sendo, o Brasil alcançará a tão almejada autonomia na fabricação de caças de última geração, podendo no futuro, beneficiar-se com a exportação de aviões para outros países. Outro benefício alcançado foi a expertise na logística de transporte de cargas especiais para a FAB, e por conseguinte, para as Forças Armadas.

A atuação do Poder Legislativo Federal foi fundamental para esta empreitada, porque ao legislar sobre a Lei nº 12.598/2012, o Congresso Nacional contribuiu para a desoneração de impostos para as empresas da Base Industrial de Defesa. Dessa forma, as Forças Armadas brasileiras atualmente estão conseguindo adquirir produtos de defesa com uma redução de, aproximadamente, 36,87% do seu preço final.

Em vista do exposto, pode-se concluir que a aquisição e produção de um avião supersônico envolveu o Governo Federal, o Poder Legislativo Federal, a Força Aérea Brasileira, as empresas da base industrial de defesa, uma empresa estrangeira e uma grande parcela da sociedade brasileira, demonstrando a enorme relevância deste assunto para o Brasil.

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