*IstoÉ Dinheiro, por Beto Silva - 29/07/2022
A corrida tecnológica nunca esteve tão avançada. Em todos os setores, o volume e a velocidade das inovações são espantosos. Um universo medido em bits e em trilhões de dólares, dominado por Estados Unidos, Ásia e Europa. Entre as três principais empresas de smartphone do mundo estão Apple (EUA), Samsung (Coreia) e Xiaomi (China). Encabeçam o setor automotivo Toyota (Japão), Volkswagen e Mercedes-Benz (Alemanha). Mas nessa jornada há uma intrusa brasileira em um segmento que envolve altíssima inovação e tecnologia: o de aviões. Trata-se da Embraer, que disputa mercado com Airbus (Europa) e Boeing (EUA). Faturou US$ 4,2 bilhões em 2021 (R$ 22,3 bilhões), aumento de 11% em relação ao ano anterior, e possui atualmente US$ 17,8 bilhões (R$ 94,5 bilhões) em pedidos garantidos para os próximos anos, superior ao nível pré-pandemia.
Uma altitude alcançada à base de investimentos em tecnologia, que nos últimos anos atingiram 6% do faturamento (R$ 1,3 bilhão em 2021). No ano passado, quando entregou 141 aeronaves, 51% da receita da empresa foram provenientes de inovações que ocorreram nos últimos cinco anos. No primeiro semestre de 2022, a empresa acumula um total de 46 aeronaves entregues (17 comerciais e 29 executivas). Embora não tenha recuperado o azul na última linha do balanço, perdido desde 2018, é um feito e tanto em um mercado ainda cheio de turbulências, afetado por pandemia, alta dos combustíveis, guerra na Ucrânia e turismo retraído.
Nessa pista de pesquisa e desenvolvimento estão uma forte presença internacional, com subsidiárias em 11 países, atuação em polos de inovação no Vale do Silício, Boston e Costa Espacial da Flórida, além de parcerias com universidades e entidades de todo o mundo. Apenas no ano passado foram firmados 46 acordos de cooperação em pesquisa. Aportes em startups e criação de novos negócios, como carro voador e centro de manutenção agnóstica (para outros fabricantes), completam a engrenagem que torna a Embraer a companhia mais inovadora do Brasil. “Apresentamos uma melhor performance financeira em 2021 e estamos seguros da rota de crescimento sustentável para os próximos anos”, disse Francisco Gomes Neto, diretor-presidente da Embraer, em mensagem no relatório dos resultados de 2021.
“Temos uma visão clara, um plano robusto e disciplina na execução do nosso plano e um time comprometido com o crescimento sustentável da companhia” Francisco Gomes Neto, diretor-presidente. |
O piloto da gigante brasileira admite desafios pela frente, diante de desdobramentos da pandemia e do conflito entre Rússia e Ucrânia, e disse estar confiante em uma evolução contínua. “Temos uma visão clara, um plano robusto e disciplina na execução do nosso plano e, mais importante, um time unido e muito comprometido com o crescimento sustentável da nossa companhia, rumo a voos mais altos.” Para se ter ideia da relevância da empresa na aviação global, a cada dez segundos uma aeronave da marca decola em algum aeroporto do planeta. São 145 milhões de passageiros anualmente sentados nas poltronas das cabines da Embraer. Desde 1969, quando foi fundada com apoio do governo federal, já foram fabricados 8 mil aviões pela empresa.
Porém, para alcançar o atual patamar, ocorreram movimentos importantes nos anos 1990: a privatização, que acarretou em uma grande reestruturação; o lançamento de aviões a jato (família ERJ); e o programa E-Jets, de aeronaves com capacidade para 70 a 124 passageiros. Volney Gouveia, coordenador dos cursos de Ciências Econômicas e Ciências Aeronáuticas da Universidade de São Caetano do Sul (USCS), afirma que a Embraer foi certeira na estratégia de produzir aeronaves de média configuração, o que a diferencia de seus dois principais concorrentes. “O mercado aéreo de passageiros é bastante pulverizado. Muitas rotas curtas espalhadas pelo mundo exigem aeronaves menores porque sua densidade de tráfego é menor. Os jatos Embraer são imbatíveis em termos de custos e receitas operacionais, com custo por voo menor e receita média maior.”
A segunda grande escalada tecnológica da companhia ocorreu a partir de 2017, quando foi criada a unidade de serviços e suporte, responsável hoje por 27% da receita. O ano seguinte marcou o início do projeto do eVTOL, uma aeronave elétrica de decolagem e aterrissagem vertical — pode chamar de carro voador que o público gosta. Em 2020 houve a aquisição da empresa de cibersegurança Tempest, em uma notória aceleração para a análise e tratamento adequado de seus dados.
DIVERSIFICAÇÃO: Embraer se destaca pela forte entrada no setor de serviços e suporte e acumula bagagem no segmento de aeronaves comerciais e executivas. |
INDÚSTRIA
Buscar soluções inteligentes e ágeis está no DNA da Embraer, que tem como ativo a inovação, seja em produtos, processos, serviços ou ações empresariais. Para Volney Gouveia, esse papel é estratégico no desenvolvimento do Brasil. “Ela domina tecnologias de ponta que podem ser disseminadas em diversos outros setores da economia, como os de eletroeletrônicos, automotivos, energias renováveis, agricultura, máquinas e equipamentos.” Em análise mais ampla, serve de referência para o fortalecimento da cadeia de valor industrial brasileira, que nas últimas décadas tem perdido participação na economia. “Nos anos 1980, a indústria representava 25% do PIB. Hoje, pouco mais de 10%. Então, a Embraer pode ajudar o País no processo de recuperação de sua indústria.”
Esse perfil agradou o mercado ano passado. As ações da companhia estão listadas na Bolsa de Valores de São Paulo (B3) e na de Nova York (NYSE). Em 2021, fechou com valorização de 180% por aqui (maior percentual de valorização entre todas as empresas listadas no Ibovespa) e 160% por lá. Este ano, porém, os papéis acumulam queda de 52% (até quarta-feira, dia 27). Ainda assim, relatório da XP sobre a Embraer divulgado na segunda-feira (25) reitera visão positiva sobre a companhia, ao apontar que as entregas de aeronaves devem ser mais concentradas no segundo semestre deste ano. “A XP enxerga uma melhora contínua dos números da carteira de pedidos, os US$ 17,8 bilhões reportados melhorando sequencialmente +3% versus o trimestre anterior”, afirmou o paper assinado por Lucas Larghi e Pedro Bruno, analistas de Transportes da corretora.
São três frentes de inovação trabalhadas pela Embraer: incremental, que busca a evolução de tecnologias já consolidadas; adjacente, com avanços em produtos existentes; e transformacional, criando tecnologias e abrindo mercados inexistentes. Para gerenciar esses processos, a brasileira criou a EmbraerX. A aceleradora é considerada a agente de disrupção da companhia, ao explorar modelos de negócio com potencial de crescimento exponencial, voltados para o futuro da mobilidade aérea. Atua em projetos e estudos em áreas como cibersegurança, visão computacional, transformação digital, robótica, inteligência artificial, automação, internet das coisas (IoT) e veículos não tripulados.
- US$ 17,8 bilhões na carteira de pedidos
- 11 países com presença da companhia (Brasil, EUA, México, Portugal, Holanda, Irlanda, Reino Unido,
França, Emirados Árabes, Cingapura e China)
- 18 mil funcionários
- 8 mil aviões já foram fabricados pela empresa desde 1969
- A cada 10 segundos uma aeronave fabricada pela empresa decola de algum aeroporto do mundo
- 145 milhões de passageiros são transportados por ano em aeronaves da companhia
Entre as iniciativas que saíram da EmbraerX está a EVE Air Mobility, que depois do spin-off tornou-se uma empresa independente. Ela oferece vários produtos e serviços, incluindo o eVTOL, que já tem suas primeiras entregas previstas para 2026 — são 1.825 encomendas do modelo até o momento, de 17 clientes. O carro voador é mais eficiente do que um helicóptero, com 80% menos ruído, zero emissões de carbono e custo operacional 65% menor. O plano da EVE é alcançar US$ 1,1 bilhão em receita até 2027 e atingir US$ 4,5 bilhões em 2030.
A Beacon, plataforma para manutenção de aeronaves, é outro lançamento que está sob o guarda-chuva da EmbraerX. Com a colaboração e sincronização de empresas (cadeia de suprimentos e peças de reposição) e profissionais de forma ágil, atende uma frota agnóstica de aeronaves, de todos os tipos, de qualquer fabricante. É o aperfeiçoamento da unidade de serviços e suporte lançada cinco anos atrás. Em 2021, o Beacon atendeu 65 mil casos de interrupções com necessidade de manutenção rápida e não planejada, em 2,4 mil aeronaves, em 190 aeroportos. Com a plataforma e as manutenções tradicionais, os negócios de suporte cresceram 23% em receita no ano passado.
A EmbraerX também está envolvida no Flight Plan 2030, para colocar em prática o Gerenciamento do Tráfego Aéreo Urbano (UATM, na sigla em inglês). Traduzindo: é o sistema de gestão autônoma da mobilidade aérea do futuro. Projeto previsto para ter início em 10 a 15 anos, com participação da subsidiária Atech.
ELETRIFICAÇÃO
Outro foco é o investimento em startups, com participações minoritárias nessas empresas. O Embraer Ventures gerencia dois fundos: o FIP Aeroespacial (que tem outros três investidores institucionais, o BNDES, a Finep e o Desenvolve SP) e o Catapult Ventures (sediado no Vale do Silício). Essa linha de atuação evoluiu para a aquisição da Tempest pela Embraer. A empresa de cibersegurança é hoje a maior brasileira do setor, com clientes no Brasil, América Latina e Europa. Ano passado, bateu recordes de receita, com crescimento de 40% em relação a 2020, e aumento da base de clientes em 242%, para mais de 300. Ainda em 2021, pelo Catapult, a Embraer aportou na startup americana Pyka, para avançar na pulverização agrícola autônoma. Está em jogo a futura comercialização do Pelican, aeronave de asa fixa, totalmente elétrica e autônoma, desenvolvida pela Pyka.
A eletrificação aeronáutica é, aliás, uma das grandes apostas da Embraer para o futuro. A companhia considerou um marco histórico a realização do primeiro voo de uma aeronave de propulsão 100% elétrica, exatamente um ano atrás. O modelo utilizado foi o EMB-203 Ipanema, um monomotor de asa baixa muito usado na agricultura. A agenda ESG (ambiental, social e de governança) da companhia estabelece metas de energia elétrica 100% proveniente de fontes renováveis até 2030, neutralidade em carbono nas operações até 2040 e produtos para uma aviação zero carbono até 2050.
O CEO Francisco Gomes Neto disse recentemente que a Embraer está atenta ao problemas climáticos e comprometida com a sustentabilidade. “Intensificamos nossos esforços para minimizar a pegada de carbono ao permanecermos dedicados a soluções inovadoras que tenham um impacto mais amplo para nossos clientes, comunidades e nossas aeronaves.” Para o bem do meio ambiente e das finanças da companhia que decola com alta tecnologia embarcada, literalmente.
POLÊMICA E GASTOS EM (DES)ACORDO COM A BOEING - NA JUSTIÇA
Depois de um acordo de compra bilionário pela Boeing que naufragou, a Embraer tem feito seu voo solo. Em julho de 2019, as empresas anunciaram uma fusão em que a americana ficaria com 80% do negócio de aviação comercial e a brasileira com os 20% restantes, além de receber US$ 4,2 bilhões. O movimento fazia sentido, já que parte da canadense Bombardier havia sido comprada pela Airbus em 2018. Mas não deu certo, com forte troca de acusações.
A Boeing desistiu do acordo afirmando que a Embraer não cumpriu condições previstas no contrato. A Embraer disse que a Boeing mentiu e rescindiu indevidamente o acordo. O caso está na justiça, em trâmite em um tribunal de Nova York. “Estamos em processo de arbitragem, no sentido de recuperar os gastos que tivemos para fazer todo o processo de preparação da separação da aviação comercial”, disse o diretor-presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto, à reportagem da Band.
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