Batalha entre tanques (carros de combate) russos e ucranianos (Crédito: Reprodução / Twitter) |
*Paulo Ubirajara Mendes – Coronel do Exército Brasileiro - 02/04/2022
O conflito na Ucrânia se encaminha para completar 40 dias, sem grandes decisões. As negociações avançam lentamente e os combates começam a tomar ritmo e forma “de rotina”, sem verificarmos definições táticas que indiquem uma vitória militar dos invasores.
No dia de hoje, fugindo daquilo que normalmente era esperado, a Rússia noticiou um suposto ataque de dois helicópteros militares ucranianos em um depósito de combustível em território russo, fato que, se confirmado, muda o espectro da reação da Ucrânia.
A Ucrânia, ao contrário do que se podia inicialmente pensar, não simplesmente aceitou o risco de enfrentar um conflito armado com a Rússia. Nos últimos anos, de forma silente para o restante do mundo, mas principalmente depois de 2014, quando a revolta de Maidan depôs o governo pró-russo, foi implementada uma política nacionalista e defensiva, baseada em um planejamento criterioso e no desenvolvimento de efetivas ações (treinamento e equipamento), buscando capacitar o país para enfrentar uma invasão russa, que hoje é real.
Ao ultrapassar as fronteiras ucranianas, os russos não sofreram uma posição ferrenha nos primeiros momentos de seu avanço. Ao invés disto, os defensores optaram por aproveitar seu conhecimento do terreno, oferecendo combate ao invasor nas áreas rurais e urbanas, onde tem conseguido obter maiores vantagens. Nas cidades ucranianas, onde tem ocorrido a maioria dos combates, nota-se que tem sido muito caro o preço cobrado dos russos, que enfrentam um inimigo fugaz em cada esquina.
Desde meados de 2015, a Ucrânia e a OTAN têm mantido em funcionamento um projeto de capacitação de operadores de Forças Especiais, estimando-se terem sido formados cerca de 2000 quadros. Tal efetivo, capacitado militarmente para operações cinéticas e de grande flexibilidade, tem sido importante na implementação e manutenção da estratégia de guerrilha urbana, diga-se de passagem muito bem conduzida, bem como na mobilização e treinamento dos cidadãos que se voluntariaram para combater.
Sabedores que os russos avançariam na Ucrânia com uma esmagadora massa de veículos motorizados e blindados, a resistência tem buscado infligir o máximo de baixas nos comboios e formações dos invasores. Tal efeito só tem sido obtido pelo apoio em sistemas modernos de armas anticarro que os aliados do Ocidente estão mandando para os ucranianos.
As interrupções no fluxo de combustíveis para os russos, imobilizando suas tropas, são outro fator que beneficia os ucranianos, que tem sua tarefa facilitada pela falta de mobilidade do inimigo.
A guerra ucraniana de resistência reviveu métodos antigos, de pouco custo e grande eficácia. Destruir pontes para evitar o avanço, fortificar posições em área urbana para melhor “amarrar” os fogos e fabricar e distribuir coquetéis Molotov em profusão para a população em geral foram algumas das iniciativas adotadas e que tem se mostrado efetivas.
O uso de snipers também tem feito diferença na resistência ucraniana, causando consideráveis danos materiais e pessoais, mas muito mais que isto, abalando o moral do inimigo. Nessa direção, ressaltamos as baixas de Oficiais russos de alto escalão que foram abatidos nas operações, causando repercussão na Rússia e críticas à guerra.
O uso de comunicações não seguras também tem sido explorado pelos ucranianos que, por intermédio de guerra eletrônica e cibernética, tem interceptado transmissões russas e identificado a localização de alvos compensadores.
As táticas de guerrilha implementadas pelos ucranianos já surtem efeito no moral dos soldados russos, que assediados diuturnamente, comendo e dormindo mal, começam a fraquejar.
Nos últimos dias, não raro são relatados episódios de deserção e sabotagem feita pelos próprios militares russos em seus materiais e viaturas, com o objetivo de não precisarem prosseguir em operações.
A narrativa da Ucrânia, para motivar seus defensores, tem sido baseada principalmente em duas ideias-força, reforçadas constantemente pelo Presidente Zelensky e massificadas nas redes sociais do país. A primeira ideia-força é que os ucranianos devem lutar pois a guerra é travada para a defesa da soberania e a segunda ideia –força fala na garantia da existência do povo ucraniano.
Assim, sob o viés psicossocial, nota-se que a narrativa de motivação tem encontrado eco no inconsciente coletivo do povo, cumprindo sua finalidade de agregar e dar amálgama ao sentimento de resistência.
A Ucrânia optou por uma estratégia onde abdicou do combate convencional como tradicionalmente conhecemos, onde seria sabidamente mais fraca, optando por tentar fazer com que as forças russas se desgastem ao máximo, combalindo o ânimo dos combatentes e buscando que a ocupação e as operações militares se tornem econômica e psicossocialmente inviáveis.
Na Rússia, a perspectiva de uma luta de longa duração na Ucrânia, onde é muito custoso recompletar ou substituir plenamente as tropas que, já esgotadas, estão em operações, mobiliza a opinião pública da população contra o regime Putin.
Por derradeiro, podemos dizer que, ao menos hoje, a resistência da Ucrânia surpreende o mundo, que não esperava tão feroz defesa de sua integridade territorial, a despeito da necessidade de auxilio externo em materiais bélicos. Tal realidade faz supor que qualquer solução para o conflito precisará passar por uma paz que seja condizente com sua soberania.
*Paulo Ubirajara Mendes é Coronel de Cavalaria do Exército Brasileiro, Doutor em Ciências Militares e Assessor de Temas Institucionais na Vice-Presidência da República.
E-mail:pauloumendes@hotmail.com
Esta matéria foi publicada originalmente no LikedIn.
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