À esquerda, reprodução da estrutura do carbono, que dá origem ao grafeno. À direita, cristais de nióbio |
*Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por Luana Macieira - 28/07/2021
O uso do grafeno e do nióbio tem impulsionado o avanço tecnológico no mundo e aumentado a demanda por esses materiais. O Brasil, pioneiro nas pesquisas com ambos, ocupa posição de destaque no cenário mundial. No caso do grafeno, o material é composto de nanopartículas de carbono e tem propriedades como alta resistência, flexibilidade, transparência e elevada capacidade de conduzir eletricidade e calor, o que faz com que ele possa ser usado na indústria automobilística, na produção de celulares e eletrônicos, em painéis solares e até na dessalinização de água do mar. O nióbio, por sua vez, pode ser usado em turbinas de aviões, aparelhos de ressonância magnética e até em implantes ortopédicos. O Brasil detém 90% do mercado mundial, o que sugere grande potencial de exploração do material pelo país.
A UFMG mantém posição de liderança em pesquisas nos dois campos e abriga vários grupos que desenvolvem uma série de aplicações em áreas como cosméticos, saúde, agricultura, recuperação ambiental, eletrônica e estruturas metálicas. Com base em conversas com pesquisadores dos departamentos de Química e Física, o Portal UFMG traçou um panorama das pesquisas em curso nas duas áreas e os seus desdobramentos.
Disrupção pelo nióbio
O nióbio é usado majoritariamente na indústria metalúrgica para a produção de ligas especiais, e é na direção de novos produtos e aplicações para o material que caminha a maioria das pesquisas atualmente desenvolvidas na Universidade. Uma delas é liderada pelo professor Luiz Carlos Oliveira, do Departamento de Química do Instituto de Ciências Exatas (Icex), juntamente com os colegas Jadson Belchior e Cinthia Castro. Oliveira conta que o grupo trabalha com o nióbio há mais de 15 anos por meio do desenvolvimento de novas moléculas. “O nióbio é muito usado na metalurgia para a produção de metais mais resistentes e mais leves. Nosso grupo dedica-se a estudos que buscam aplicações novas e disruptivas para o material”, informa.
O grupo, em parceria com investidores privados, criou, em 2019, a startup Nanonib®, focada em produtos que usam o material em diversos campos, como a saúde e a cosmetologia. Uma das aplicações já desenvolvidas é um clareador dental com nióbio que não utiliza peróxido de hidrogênio, principal causador da sensibilidade nos dentes de quem faz clareamento. “Em parceria com o professor Luís Fernando Morgan, da Faculdade de Odontologia da UFMG, criamos um eficiente clareador dental que evita os efeitos adversos do peróxido de hidrogênio, além de ajudar a controlar a bactéria causadora da cárie”, explica.
Sars-CoV-2 na mira
Com a pandemia, o grupo decidiu direcionar suas pesquisas para o enfrentamento do Sars-CoV-2, causador da covid-19. Oliveira explica que modificou a nanopartícula desenvolvida para clarear os dentes para que pudesse também ser usada em um spray capaz de eliminar o vírus da covid-19 de superfícies. Sem álcool em sua composição, o spray não resseca a pele. “A ação ocorre por meio da nanotecnologia do nióbio. O produto protege a superfície e a pele das pessoas por até 24 horas, e sua produção é muito barata. O spray já teve toda a sua segurança certificada, e já demos entrada na Anvisa solicitando sua aprovação para fins de comercialização”, explica Luiz Carlos Oliveira.
A startup é a responsável por processar a nanopartícula de nióbio em escala industrial, que é então utilizada na produção do clareador dentário, do spray anticovid e de outros produtos, como xampus e pastas de dentes. O grupo também já desenvolveu um fungicida que pode ser usado em plantações de forma segura – atóxico, ele não prejudica a saúde de quem o maneja. “O nióbio é muito versátil, mas precisamos ressaltar a transformação que realizamos no material. A forma como obtemos a unidade molecular do nióbio é que possibilita que esse material tenha usos tão diversos”, diz Oliveira.
A versatilidade do metal também é destacada pelo professor Luciano Andrey Montoro, do Departamento de Química, que trabalha com o preparo de compostos de nióbio e o posterior direcionamento para diversas aplicações. Ele e seu colega de Departamento, professor Geraldo Magela, já geraram diversos compostos. Montoro explica que um deles, o oxicarbonato de nióbio (Nb2O4CO3.H2O), é um composto inédito, cujas propriedades podem ser usadas em catálises e em adsorção química para remediação ambiental.
Montoro e Geraldo Magela também se debruçam sobre um composto clássico, o pentóxido de nióbio (Nb2O5), em busca de novas aplicações. “Estamos alterando a morfologia dele, que envolve a forma e a dimensão das partículas. Conseguimos transformá-lo em fios bem fininhos, de três nanômetros de espessura e cerca de 500 nanômetros de comprimento. Ao mudar a morfologia dos materiais, suas potencialidades podem ser ampliadas. Por exemplo, quando aumentamos a superfície de contato do material, aumentamos as aplicações que dependem de superfícies, como a catálise e a adsorção. Além disso, quando alcançamos formas e dimensões em escalas tão pequenas, podemos alterar propriedades eletrônicas e óticas, resultando em funcionalidades novas e não tradicionais para o composto", ressalta Montoro.
Esfoliação pioneira
Material que não pode ser encontrado na natureza, o grafeno foi sintetizado pela primeira vez em 2004. Dois anos depois, pesquisadores da UFMG foram os primeiros a processar o grafeno por meio da esfoliação mecânica do grafite. A partir daí, começaram a desenvolver outros métodos de produzir o grafeno e, em 2010, o material começou a ser sintetizado por meio da esfoliação química do grafite, processo que favorece a obtenção de maiores quantidades.
Quem conta essa história é o professor Marcos Pimenta, do Departamento de Física da UFMG e ex-coordenador do Centro de Tecnologia em Nanomateriais e Grafeno da UFMG (CTNano), que pesquisa a mistura de grafeno e nanotubos de carbono com diversos tipos de materiais, com o objetivo de melhorar as suas capacidades mecânicas. Os nanotubos de carbono são obtidos quando o grafeno é enrolado em cilindros nanométricos. “Um nanotubo de carbono é 100 mil vezes menor, em espessura, que um fio de cabelo”, compara Pimenta.
O professor conta que o CT-Nano também processa grafeno pelo método quimical vapor deposition (CVD), que consiste na produção do material com base em átomos de carbono em superfícies de cobre, e não pelo grafite. “As amostras de grafeno produzidas por esse método são boas para o uso eletrônico do grafeno, considerada a aplicação mais nobre do material”, diz.
A atual coordenadora do CT-Nano e professora do Departamento de Química do Icex, Glaura Goulart, destaca que o CT-Nano conta atualmente com 15 projetos de diversos portes – oito utilizam o grafeno. “O grafeno é muito pesquisado porque há, internacionalmente, demanda técnica e científica para ele. Além disso, o Brasil conta com grandes reservas de grafite de boa qualidade no Norte de Minas e no Sul do Bahia, o que permite que tenhamos a matéria-prima para desenvolver as tecnologias com esse material.”
Entre os projetos atuais com o grafeno no CT-Nano, um dos mais promissores é a tecnologia inovadora e em escala para produção de óxido de grafeno (GO), nanomaterial com alta aplicabilidade em compósitos para várias indústrias. Um deles é o nanocomposto polimérico para revestimento de peças metálicas, desenvolvido em parceria com a Vale. O objetivo é criar um revestimento mais resistente ao impacto e ao desgaste por abrasão. “A Vale fará testes-piloto com essa tecnologia nas estruturas metálicas que transportam o minério”, explica Glaura Goulart.
Em larga escala
Fora do CT-Nano, um grupo conduzido pelos professores Luiz Gustavo Cançado e Flávio Plentz estuda o desenvolvimento da produção em larga escala do grafeno, com a colaboração dos professores Bernardo Neves, do Departamento de Física, e Omar Paranaíba, do Departamento de Ciência da Computação (DCC). Em 2016, em parceria com a Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge) e com o Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), o grupo projetou e instalou, no CDTN, uma planta para a produção de grafeno em larga escala e baixo custo, por meio da esfoliação química do grafite. O projeto recebeu o nome de MG Grafeno. A planta produz cerca de 500 quilos do material por ano.
“Nela, sintetizamos o grafeno pela rota de esfoliação química em fase líquida. É um processo que possibilita a produção de grafeno em larga escala. Quando o grafite é processado para a forma de grafeno, ele passa a valer 1 mil vezes mais. Dependendo da aplicação, essa ordem de grandeza pode ser ainda maior", explica o professor Cançado.
Como o grande desafio é a fabricação do material em larga escala com um custo viável, o Projeto MG Grafeno planeja instalar uma planta industrial para a produção do grafeno. "Essa iniciativa tem potencial elevado de agregar valor às reservas de grafite de altíssima qualidade existentes no Vale do Jequitinhonha”, projeta Cançado.
Na avaliação do professor, não basta que as indústrias decidam comprar e aplicar o grafeno, pois é necessário que uma empresa desenvolva a tecnologia para viabilizar sua aplicação. Por isso, o projeto MG Grafeno entrou em uma segunda etapa, iniciada em 2019. A equipe do projeto agora busca parceiros industriais para desenvolver tecnologias que viabilizem a incorporação do material em diversos setores produtivos, como empresas de tecidos, de embalagens, de construção civil e de tintas.
“Essas empresas terão ganhos e alavancarão suas operações com o uso do grafeno. Não adianta nada produzirmos o material se ninguém conseguir usá-lo. Por isso, a interface entre a pesquisa acadêmica e o desenvolvimento de produtos inovadores para as empresas é essencial”, afirma Cançado. O professor acrescenta que, além dessas iniciativas de caráter mais aplicado, a UFMG abriga uma enorme quantidade de projetos de pesquisa básica em grafeno.
Em breve, eles estarão em tudo
Os pesquisadores são unânimes ao afirmarem que a nanotecnologia, tanto em relação ao uso do nióbio quanto no do grafeno, são disruptivas porque desconstroem processos antigos e resolvem novos problemas. A UFMG desenvolve pesquisas em nanomateriais desde o fim da década de 90, o que a posiciona como referência no campo no país.
“A pesquisa em nanomateriais é muito transversal. Em um futuro próximo, os nanomateriais estarão em tudo, inclusive nas ciências da vida, como nos tecidos para pele artificiais. Daí, a importância de conseguirmos nos manter como protagonistas dessa evolução”, defende o professor Cançado.
Glaura Goulart acrescenta que a sociedade demanda produtos de melhor desempenho, e a nanotecnologia consegue responder a essas necessidades. “Estamos fazendo pesquisa aplicada e de alta maturidade tecnológica. Quanto mais a tecnologia está pronta para ser usada, maior a sua maturidade. É nesse processo de desenvolvimento que buscamos atuar”, avalia a coordenadora do CT-Nano.
Grafeno e nióbio no UFMG Talks
O estágio das pequisas com grafeno e nióbio na Universidade será tema do UFMG Talks em Casa desta quinta-feira, dia 29, a partir das 19h. O bate-papo reunirá os professores Luiz Carlos Oliveira e Luiz Gustavo Cançado, com transmissão pelo canal da TV UFMG no YouTube e pela página da UFMG no Facebook. Leia mais.
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