A Embraer não é a única fabricante de aviões instalada em São José dos Campos (SP). A cidade, que concentra o maior polo aeroespacial do Brasil, também é a casa da Desenvolvimento Aeronáutico, ou apenas Desaer. Fundada em 2017, a empresa ainda funciona como uma startup, mas a intenção de seus fundadores é torná-la uma nova referência no setor.
“Estamos desenvolvendo uma aeronave de última geração para a categoria dos aviões utilitários. Atualmente, todos os produtos disponíveis nesse segmento são projetos das décadas de 1980 e 1970, ou até mais antigos. É um ramo da aviação carente por novidades e produtos modernos”, disse Evandro Fileno, CEO e um dos sócios-fundadores da Desaer, em entrevista ao CNN Brasil Business.
A aeronave mencionada por Fileno é o ATL-100, um bimotor turboélice para uso comercial e militar, com capacidade para 19 passageiros ou 2.500 kg de carga. A sigla ATL é uma abreviação para “Aeronave de Transporte Leve”, um tipo de avião que a Embraer parou de fabricar em 1990, quando encerrou a produção do EMB-110 Bandeirante.
“Existem cerca de 5.000 aviões do porte do Bandeirante em operação no mundo todo. Fizemos uma pesquisa de mercado e descobrimos que quase a metade dessas aeronaves deverão ser aposentadas nas próximas duas décadas. É uma demanda expressiva e vamos competir por ela”, contou o CEO da Desaer, que foi engenheiro de produção da Embraer por mais de 20 anos. “Quase todos os colaboradores da Desaer trabalharam da Embraer”, acrescentou.
Apesar de novata no mercado, a Desaer já está chamando atenção. “As Forças Armadas do Brasil demonstraram interesse no ATL-100. Também apresentamos o projeto para companhias aéreas, como a Azul”, revelou Fileno. “É um avião que pode ser interessante para a aviação regional, tanto no transporte de passageiros como de cargas.”
Quem também se interessou pelo ATL-100 foram os portugueses. Em maio de 2020, a Desaer anunciou a formação de uma joint venture com o Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto (CEiiA), a maior instituição de Portugal na área de pesquisas sobre mobilidade. O CEiiA, inclusive, é um dos parceiros da Embraer no desenvolvimento da aeronave C-390 Millennium.
“A parceira com o CEiiA é muito importante para nós. Teremos mais profissionais envolvidos no projeto do ATL-100, aqui no Brasil e em Portugal. Também nos ajuda a atrair mais investidores internacionais”, afirmou, acrescentando que a empresa negocia com potenciais investidores da Ásia, Europa e Oriente Médio.
ATL-100
Primeiro produto da Desaer, o ATL-100 segue à risca a receita da categoria “Commuter”. Por definição, esse é um segmento restrito a aeronaves utilitárias com motores turboélices, capacidade para 19 passageiros, sem cabine pressurizada e com peso máximo de decolagem na faixa dos 8.600 kg. O Bandeirante da Embraer, por exemplo, obedece a esses critérios.
O avião projetado pela Desaer ainda conta com algumas características que aumentam a performance e as possibilidades operacionais, como as asas montadas na parte superior da fuselagem e o conjunto de trem de pouso fixo. Esses componentes são ideais para aviões que exercem trabalhos pesados, como aterrissar e decolar a partir de pistas de terra ou grama. Nas mãos de pilotos militares, uma aeronave como essa pode pousar até onde não há pistas.
“A ATL-100 tem características únicas nesse segmento, como a porta traseira com uma rampa de acesso. Isso facilita muito a operação de carga e descarga em aeroportos pouco estruturados, pois não exige equipamentos de solo especiais, como empilhadeiras”, disse o CEO da Desaer.
Segundo dados da startup, o ATL-100 poderá voar a velocidade máxima de 430 km/h (e cruzeiro de 380 km/h) e terá uma autonomia de, aproximadamente, 2.000 km (ou cerca de 570 km totalmente carregado). O modelo também já tem preço: US$ 5,5 milhões (R$ 29,9 milhões na cotação atual).
“Estamos trabalhando para apresentar o ATL-100 e voar com primeiro o protótipo até o fim 2024. A produção dos primeiros componentes do avião deve começar nos próximos meses”, prevê Fileno, que planeja o lançamento da aeronave no mercado para meados de 2025.
Para o ATL-100 decolar, a Desaer busca um investimento de US$ 100 milhões (cerca de R$ 543,5 milhões). “Esse orçamento cobre a produção dos primeiros protótipos, testes de voo e a certificação, que é a parte mais cara e complexa no processo de desenvolvimento de um novo avião”, contou o CEO da empresa.
Embora ainda esteja longe de voar, o ATL-100 já conquistou um cliente. Em 2019, durante a feira de aviação executiva Labace, em São Paulo, a Desaer confirmou a assinatura de um contrato de intenção de compra da AGS Logística. A empresa de transporte de cargas planeja adquirir até cinco exemplares da aeronave.
Fábrica em Araxá (MG)
O avanço mais recente da Desaer foi a escolha de Araxá (MG) para sediar a futura fábrica da empresa. A planta será inserida no aeroporto Romeu Zema e também contará com escritórios administrativos e de engenharia. “A fábrica deve gerar entre 1.000 e 1.200 empregos diretos e indiretos da região. A cadência de produção inicial em Araxá será de quatro aeronaves por mês”, avalia Fileno. A construção da nova sede é orçada em US$ 70 milhões (R$ 380 milhões).
A mudança da Desaer para o município mineiro é viabilizada pela Prefeitura de Araxá com apoio do Governo de Minas Gerais, através da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (CODEMGE) e do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG).
“Ainda vamos manter um centro de desenvolvimento em São José dos Campos. Também temos planos de erguer uma fábrica em Portugal, na cidade de Ponte de Sor, região do Alentejo, por meio da joint venture com o CEiiA”, contou o diretor da Desaer.
Prevendo voos ainda mais altos, Fileno contou que a Desaer trabalha atualmente em outros cinco projetos de aeronaves, além do ATL-100. “Esperamos por grandes avanços após a pandemia. Temos projetos de drones agrícolas, aviões de treinamento, uma aeronave para 40 passageiros, entre outros. Vem muita coisa por aí.”
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