*Mundo Lusíada, por Igor Lopes
Florbela Coroas da Costa é portuguesa, tem 32 anos de idade e atua como Gestora Técnica de projetos espaciais (Technical Project Manager for Space). Recentemente, esta responsável, que finalizou o Mestrado em Engenharia Aeronáutica na Universidade da Beira Interior, na Covilhã, em 2011, ganhou destaque na imprensa internacional após saber-se que liderou a gestão técnica do projeto que desenvolveu motores que controlam a inclinação das pás do rotor do Ingenuity, o helicóptero da missão Mars2020 da NASA.
“Projetos para o espaço são extremamente desafiantes e cada pormenor tem de ser cuidadosamente analisado para termos a certeza que nada irá falhar”, afirmou Florbela Costa, que fez também parte do grupo de profissionais com funções no projeto de desenvolvimento do Elevator e Sponson do KC-390 da brasileira Embraer. Esta profissional, que vive em Lucerna, na Suíça, é natural de Trappes, França, e mudou-se em 1999 para o Carqueijo, freguesia de Barrô, concelho de Águeda.
Conversamos com Florbela Costa, que nos contou como foi fazer parte deste novo desafio de “conquista” do espaço. Durante a entrevista, esta engenheira aeronáutica mencionou as suas funções em prol do projeto da NASA em Marte, ressaltou a importância das universidades portuguesas, falou sobre o desenvolvimento do helicóptero Ingenuity e sublinhou a relevância dessa nova missão espacial.
Qual é exatamente o seu papel no projeto Marte?
Fui gestora técnica de projeto na Maxon Group para o projeto de desenvolvimento dos seis DC motores que controlam a inclinação das pás do rotor do Ingenuity, o helicóptero da missão Mars2020 da NASA. Este será o primeiro helicóptero a voar em Marte e tem como principal objetivo demonstrar que é possível voar um helicóptero em Marte. Uma vez que a densidade em Marte é cerca de 1% da densidade da terra, voar torna-se extremamente difícil e novas tecnologias tiveram de ser desenvolvidas para este âmbito. Se funcionar como o esperado, iremos muito provavelmente ver veículos robóticos voadores mais avançados nas futuras missões robóticas e humanas a Marte.
Como aconteceu essa sua aproximação junto à NASA?
A Maxon Group tem um extenso histórico com motores para Marte. Existem, neste momento, mais de 100 motores DC da Maxon no planeta vermelho. Tive a grande oportunidade de ter como primeiro projeto na Maxon Group o gerenciamento do desenvolvimento dos seis DC motores que controlam a inclinação das pás do rotor do Ingenuity, o helicóptero da missão Mars2020 da NASA. Ao mesmo tempo, a minha colega de trabalho estava a desenvolver motores que são utilizados em diferentes mecanismos do Rover Perseverance.
Quais são os principais desafios no seu trabalho no âmbito desse projeto?
Os requisitos do cliente para os motores do helicóptero são, assim como outros projetos para aplicações espaciais, extremamente desafiantes. As temperaturas em Marte podem variar imenso, pelo que os nossos motores tiveram de provar serem resistentes para temperaturas entre -120°C e +80°C e para aguentar as cargas (choque e vibrações) induzidas nos motores, principalmente durante a descolagem e aterragem. Novas ideias foram também desenvolvidas para reduzir o peso e prolongar a vida útil dos motores. Tudo isso teve de ser feito num espaço de tempo muito curto, o projeto durou pouco mais de um ano.
Como a sua experiência está a colaborar com esse projeto?
Projetos para o espaço são extremamente desafiantes e cada pormenor tem de ser cuidadosamente analisado para termos a certeza que nada irá falhar.
O helicóptero Ingenuity é mencionado como o primeiro dispositivo a ser enviado para outro planeta. Certo? Como é fazer parte desse momento histórico?
É a primeira aeronave a ser enviada com o intuito de voar a partir da superfície de outro planeta. Deixa-me muito orgulhosa ter a oportunidade em participar em projetos desta importância e dar o meu contributo para os avanços de tecnologia.
Este será também o primeiro helicóptero a descolar da superfície de Marte. Quais as suas expectativas?
Estou extremamente ansiosa para saber que o seu primeiro voo foi bem-sucedido, mas tenho confiança que irá correr bem, uma vez que a JPL/NASA realizou imensos testes e todos eles tiveram muito bons resultados.
Quando será esse primeiro voo? E quantos voos serão realizados?
Não há data certa para o primeiro voo. A JPL/NASA informou que o helicóptero irá separar-se no Rover Perseverance a 19 de março e que estão previstos cinco voos no total, num período de 30 dias.
Qual a autonomia do aparelho? É movido a que? E que tecnologia foi utilizada?
Não lhe sei responder a perguntas muito técnicas sobre o helicóptero em si, uma vez que ele não foi desenvolvido pela minha empresa, mas pelo meu cliente. Mas o helicóptero contém paneis solares e tem cerca de um metro de envergadura e pesa perto de dois quilos.
Qual é o objetivo desse helicóptero?
Tem como principal objetivo demonstrar a tecnologia de voo e provar que é possível voar um helicóptero em Marte. Uma vez que a densidade em Marte é cerca de 1% da densidade da terra, voar torna-se extremamente difícil e novas tecnologias tiveram de ser desenvolvidas para este âmbito. Se funcionar como esperado, iremos muito provavelmente ver mais, e maiores, helicópteros a ajudar na exploração espacial.
Como é o seu trabalho na empresa suíça Maxon Group?
Muito bom. As pessoas foram sempre muito amigáveis desde o primeiro dia. Mesmo considerando que eu não falava alemão quando comecei a trabalhar na Maxon. Toda a gente estava disposta a ajudar-me e isso é muitíssimo importante, uma vez que o trabalho de equipa é a única forma de levar os projetos a bom porto. A equipa dos gestores de projeto para o espaço é uma equipa mista, com dois homens, duas mulheres, dos quais um é alemão, um é inglês, um é norte-americano e suíço e eu, portuguesa, com diferentes experiências profissionais. Esta diversidade traz imensas vantagens, entre elas, ajuda-nos a desenvolver soluções inovadoras para os nossos produtos.
Que benefícios podemos tirar da missão a Marte?
Os produtos do catálogo da Maxon Group são continuamente aperfeiçoados por meio de desenvolvimento de novas tecnologias, como os projetos para Marte. Os nossos DC motores industriais têm uma densidade de potência muito alta em relação à sua massa e volume. São precisamente essas propriedades que são necessárias para as missões espaciais, nas quais o peso é particularmente reduzido. No caso específico dos motores DC desenvolvidos para o helicóptero, por exemplo, novas ideias foram desenvolvidas para reduzir o peso e prolongar a vida útil dos motores. Ambos são fatores altamente relevantes para aplicações de motores em UAV na Terra. Por meio desses projetos, aprofundamos o nosso conhecimento dos componentes individuais do motor, das tecnologias de conexão que usamos e do comportamento do motor nas condições ambientais mais extremas. Por isso, as missões espaciais também nos ajudam a desenvolver novas tecnologias que podem posteriormente ser utilizadas na Terra.
|
Florbela Costa, em foto da UBI - Universidade Beira Interior, onde se diplomou como Engenheira Aeronáutica
|
Como profissional e cidadã, o que espera em termos de resultados dessa nova missão a Marte?Esta missão, assim como as demais missões a Marte, é mais um passo na direção da descoberta de Marte e tem como objetivo principal ajudar-nos a entender se já existiu vida em Marte. O Perseverance, o Rover da missão Marte 2020 na NASA, irá, entre outros objetivos, criar amostras do solo marciano e haverá nos próximos anos duas missões adicionais. Uma para enviar outro Rover para Marte para recolher essas amostras e enviá-las para a órbita de Marte. E uma terceira missão para capturar as amostras da órbita de Marte e trazê-las de volta para a terra para serem analisadas, na esperança de se encontrar provas de vida em marte.
Por que está cada vez maior o interesse do ser humano pela vida extraterrestre?
Existem duas tendências de longo prazo no mercado espacial: 1) O trabalho científico do governo está a aumentar, especialmente em relação a Marte, devido a uma nova “corrida espacial” entre o Ocidente (EUA e Europa) e a China. Isso coincide com o desejo dos governos de apoiar a indústria aeroespacial com contratos devido ao colapso do mercado de aviação civil; 2) Há vários bilionários que estão iniciando programas espaciais “privados” (Elon Musk – SpaceX; e Jeff Bezos – Amazon – são apenas os dois mais conhecidos).
Há quanto tempo vive na Suíça?
Desde junho de 2017.
Considera-se uma imigrante na Suíça?
Considero-me uma pessoa do mundo, apesar de ter Portugal no sangue e no coração.
Que opinião tem sobre esse país?
Considero que é um país com uma muito boa qualidade de vida e ótimo para pessoas que, como eu, adoram atividades ao ar livre.
Como enxerga Portugal à distância?
Eu, assim como outros amigos meus engenheiros, saímos de Portugal, não por falta de trabalho em Portugal, mas porque queríamos trabalhar em projetos mais desafiantes. Eu tive a sorte de trabalhar no projeto do KC-390 (da brasileira Embraer) no CeiiA quando me graduei, mas este tipo de projeto, com esta dimensão e complexidade, foi uma oportunidade única. Foi a primeira vez em que Portugal participou num projeto de desenvolvimento desta dimensão. Quando o projeto estava na sua fase final, depois de cinco anos e meio, eu e vários colegas decidimos procurar novas oportunidades. E, infelizmente, não há muitas oportunidades aeronáuticas desta dimensão em Portugal, apesar de termos engenheiros muitíssimo competentes. Tenho a certeza de que muitos engenheiros que se encontram atualmente fora do país voltariam para Portugal se tivessem mais oportunidades de trabalho na área aeronáutica.
Qual é a sua formação e que passagens profissionais tem?
Finalizei o mestrado em Engenharia Aeronáutica na Universidade da Beira Interior, na Covilhã, em 2011. No mesmo ano, iniciei a minha atividade profissional no CEiiA, em Matosinhos, para o projeto de desenvolvimento do Elevator e Sponson do KC-390 da Embraer. Durante o meu tempo no CEiiA, tive deslocada nove meses na Embraer no Brasil. Passei por vários cargos durante os cinco anos e meio neste projeto e nos últimos anos era gestora do desenvolvimento do produto e gestora de projeto. Em meados de 2017, mudei-me para o centro da Suíça para me juntar a Maxon Group como gestora técnica de projeto.
Qual o papel da Universidade da Beira Interior (UBI) na sua formação e nessa conquista atual?
Na minha opinião, a UBI, assim como muitas outras universidades em Portugal, prepara muitíssimo bem os seus alunos. Isto é comprovado pelo facto de que vários dos meus colegas de turma trabalham hoje em projetos fascinantes e extremamente complexos. A camaradagem e o espírito de família que senti na Covilhã, e em específico nos membros de engenharia aeronáutica, é sem dúvida a melhor memória que trago comigo da UBI.
Quais as suas ambições agora que já “chegou” ao espaço?
Estou neste momento a estudar para ter um segundo mestrado na área de Gestão (EMBA – Executive Master of Business Administration). Mas ainda não decidi o que será o próximo passo. No futuro próximo, espero continuar a trabalhar na Maxon Group como gestora técnica de projetos para o espaço e, muito provavelmente, continuar em projetos para Marte ou igualmente desafiantes.
Por fim, quem é Florbela Costa?
Sou uma apaixonada pela aeronáutica e pelo espaço e sou uma pessoa alegre e otimista. Estou sempre a procura de novos desafios e adoro aprender coisas novas. Adoro ler e fazer atividades desportivas, tal como correr, jogar ténis, fazer caminhadas e mergulho.