*Defesanet - 04/09/2020 - Publicado em O Globo
*Por Carlos Erane de Aguiar, Presidente Sindicato Nacional das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (SIMDE)
A pandemia mostrou o que acontece quando países abdicam de eles próprios produzirem artigos de primeira necessidade, como EPIs e equipamentos hospitalares. Quando as cadeias globais de fornecimento se encurtaram, com bloqueio de exportações, o planeta se deu conta que havia delegado à China e à Índia a função de ser o parque fabril médico do mundo. Ficamos todos de joelhos. O mesmo acontecerá na área da Defesa e Segurança Nacional se não compreendermos o desmonte em curso no Brasil.
A julgar pelas notícias recentemente publicadas, tudo indica que o Governo está levando adiante ideia externada pelo ministro da Justiça, André Mendonça, em entrevista à Globonews, em 2 de agosto de 2020, de criar uma representação da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal nos Estados Unidos para poderem adquirir diretamente da fonte produtos de segurança made in America.
Uma portaria nesse sentido já estaria em elaboração, informou a coluna da jornalista Bella Megalle, de O Globo, em 27 de agosto. Para o ministro, que pretende adquirir material de segurança também para as PMs dos Estados, utilizando para isso o Fundo Nacional de Segurança Pública (R$ 1,2 bilhão de orçamento em 2020), os equipamentos estrangeiros são “de melhor qualidade e mais baratos” que os nacionais.
É urgente que a sociedade brasileira compreenda o que essa medida representa. A força dos exércitos e das polícias em geral, cuja missão é garantir a soberania dos países e a segurança dos seus cidadãos, só existe porque, ao lado deles, existe uma Base industrial Nacional de Defesa igualmente forte. Indústrias que não apenas fabricam e fornecem equipamentos, mas investem em tecnologias próprias em território nacional, geram emprego, renda e estão a postos em situações de emergência.
A Base Industrial de Defesa e Segurança do Brasil (BID), que tem hoje por cerca de 121 empresas, 99 delas consideradas Estratégicas de Defesa, gera cerca de 285 mil empregos diretos e 850 mil indiretos, movimentando 3,7% do PIB. É importante saber que, na pandemia, em razão da nossa capacidade instalada e pelo fato de nunca paralisarmos as atividades, pudemos fazer em tempo recorde uma reconversão industrial, ajudando no esforço de guerra para a produção de produtos para o enfrentamento da Covid-19.
Nas manifestações de 2013, quando o mundo estava em ebulição, um banho de sangue nas ruas teria ocorrido não tivesse o Brasil uma empresa de armas não letais, líder global no seu segmento. Naquele ano, essa empresa postergou as entregas de seus clientes internacionais para atender a demanda interna. Pois é assim que as empresas nacionais de Defesa e Segurança agem quando o seu país está em perigo.
Não é concebível, portanto, governos atentarem contra a sua própria Base industrial de Defesa e Segurança. Pelo contrário. Em todo o mundo, eles a incentivam. O pressuposto de que o equipamento estrangeiro é de melhor qualidade que o nosso é um equívoco, que desconsidera inclusive que várias indústrias brasileiras líderes em seus segmentos estão presentes no exterior, com sua qualidade mais do que reconhecida. Se somos mais caros, isso se deve às regras tributárias impostas pelo próprio governo.
Que fique claro: não somos contra o livre comércio e a concorrência, desde que se deem de forma isonômica e sadia. As indústrias de Defesa e Segurança estrangeiras são bem-vindas, desde que se instalem aqui, arquem com nossos custos tributários, gerem empregos, transfiram tecnologia. Itens importados são vendidos no Brasil sem enfrentarem a nossa carga tributária. Já os aqui fabricados, a tributação média é de 40%. Sem falar no custo Brasil, o ambiente desfavorável para os negócios, alta burocracia, meios de produção caros, logística ineficiente, custo excessivo da energia, complexidade na apuração de impostos, etc.
A prosperar a equivocada visão de privilegiar a aquisição de materiais de Defesa e Segurança do exterior, o Governo Federal conseguirá acelerar a desindustrialização/desnacionalização da nossa Base Industrial de Defesa. Forçar a retirada da nossa indústria para outros países, como já anunciado pela gaúcha Taurus, não atende à Estratégia Nacional de Defesa, coloca em risco nossa soberania e reduz empregos, divisas, impostos e desenvolvimento social.
Convidamos as autoridades de Segurança Pública para montarmos uma agenda de visitas às empresas de Defesa e Segurança do Brasil, de maneira que verifiquem por si mesmos a tecnologia, o profissionalismo e a qualidade que nossas indústrias têm.
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