O presidente da Embraer Defesa e Segurança, Jackson Schneider, com um modelo do C-390 - Eduardo Knapp - 14.ago.2019/Folhapress |
A Embraer, terceira maior fabricante de aviões comerciais do mundo, entrou no mercado de segurança cibernética.
A empresa paulista passou a controlar a Tempest Serviços de Informática, líder do setor no país, em um negócio com valores não revelados.
Além disso, a Embraer comprou uma participação de R$ 20 milhões na Kryptus, empresa que fornece soluções de criptografia para as Forças Armadas brasileiras, entre outros.
A Atech, subsidiária de sistemas tecnológicos da Embraer, deverá coordenar os esforços das três empresas no mercado, que em 2019 movimentou US$ 1,5 bilhão (R$ 8,1 bilhões nesta terça, 30) no país.
“São empresas complementares”, afirmou o presidente da Embraer Defesa e Segurança, Jackson Schneider.
O movimento vem na esteira da derrocada do acordo para a venda da área de aviação comercial da Embraer para a Boeing e o impacto da pandemia nos negócios do setor.
Schneider diz que o investimento na área de cibersegurança, o maior do gênero na América Latina, já estava previsto.
“Isso está no nosso DNA de inovação”, afirmou, ressaltando contudo que a pandemia Covid-19 “vem acelerando tendências” no mundo todo.
“O trabalho será mais virtual, assim como os processos e ferramentas. É preciso atender a necessidade de segurança no tráfego de dados”, diz.
Isso é bastante óbvio na área civil. Crimes cibernéticos contra instituições bancárias somam US$ 10 bilhões (R$ 54 bilhões) anuais no Brasil, segundo mercado para bandidos digitais depois da Rússia.
As aplicações em defesa são ainda mais amplas.
As demandas vão da criptografia de dados do sistema de fronteiras do Exército, já atendido pela Kryptus, a discussões sobre o uso de inteligência artificial e proteção de usinas elétricas e nucleares.
A Embraer também vê potencial de sinergia com o mercado que anda de mãos dadas ao de cibersegurança, o espacial. Afinal de contas, tudo passa por satélites.
A empresa tem uma subsidiária, a Visiona, que deverá lançar o primeiro nanossatélite de uma constelação nacional em 2021.
A Tempest foi aberta no Recife em 2001, tem 300 funcionários e 250 clientes no Brasil e no exterior —o grupo que edita a revista The Economist é um deles.
Ela já era apoiada pela Embraer por meio do Fundo de Participações Aeroespacial, que conta com o BNDES e a DesenvolveSP, entre outros.
“A robustez da Embraer vai nos ajudar a expandir essa missão para novos mercados”, diz seu presidente, Lincoln Mattos, que manterá cargo e equipe.
Já o aporte na Kryptus, que além da área militar atende diversos setores, mira uma expansão internacional e será feito por meio do Fundo de Participações.
“Esse aporte chega em um momento de consolidação”, diz o fundador da empresa, Roberto Gallo. A empresa já tem contratos com a Marinha do Peru e o Exército da Colômbia.
Schneider vê o mercado cibernético com estratégico. “Há incríveis movimentos geopolíticos, reestruturação de cadeias produtivas ocorrendo.”
O fim do negócio da Embraer com a Boeing levou a especulações acerca do futuro –sua sobrevivência fora do duopólio produtivo global, dos americanos e dos europeus da Airbus, é questionada.
O presidente da empresa, Francisco Gomes Neto, confirmou no mês passado que há interesse na busca de novos parceiros no mercado mundial.
As opções não são muitas, naturalmente, e analistas apostam na Comac, a estatal chinesa de aviação comercial que busca se posicionar no mercado.
A questão é que hoje uma parceria com a China coloca qualquer empresa de um lado da Guerra Fria 2.0 estabelecida entre Washington e Pequim.
Isso teria implicações importantes para os produtos de defesa da Embraer, o novo cargueiro C-390 Millennium à frente.
A Folha questionou Schneider sobre isso. Diplomaticamente, ele disse que a Embraer está “absolutamente aberta para conversar” com parceiros externos.
“Mas nós respeitamos todos as limitações impostas por nossos fornecedores europeus e americanos na área de defesa”, disse.
Assim, especificamente para a Embraer Defesa, “há países ‘off-limits’ [fora do limite de operação]”.
Ele ressalta, contudo, que pela natureza dos negócios da empresa, “nada será diferente do que o Estado brasileiro” preconizar.
A Embraer, lembra, nasceu como uma estatal em 1969, e sua linha de defesa foi desenvolvida de acordo com necessidades da Força Aérea mesmo após a privatização de 1994.
O C-390 é um exemplo. Tendo recebido investimentos de desenvolvimento de R$ 5 bilhões do governo, o avião agora é uma realidade.
O terceiro de 28 encomendados, por R$ 7,2 bilhões, foi entregue à FAB nesta semana. As aeronaves estão ativas na operação de transporte de material e pessoal para o combate à Covid-19.
A primeira unidade a ser exportada, de cinco compradas por Portugal, teve produção inicial começada e deve ser entregue até 2023.
“Mesmo nessa crise, recebemos duas consultas bastante firmes de países interessados”, disse, sem revelar os clientes potenciais.
A venda do C-390 e de sua versão com capacidade de reabastecer outras aeronaves, o KC-390, seria feita a partir de uma joint-venture com a Boeing.
Ela morreu com o negócio da área comercial, alvo de dura disputa em arbitragem entre as empresas —a Embraer acusa a Boeing de ter rompido o contrato devido à sua própria crise, enquanto americanos falam genericamente em cláusula não cumpridas pelos brasileiros.
O futuro de um acordo anterior, de campanhas de marketing no exterior do cargueiro, ainda não foi definido, mas parece improvável que ele siga em frente.
A área de defesa respondeu em 2019 por 14,2% da receita da Embraer, ante 40,8% da comercial, 25,6% da executiva e 19,4%, de serviços e outros.
Sob impacto da Covid-19 e da dissolução do acordo com a Boeing, a empresa registrou prejuízo de R$ 1,3 bilhão no primeiro trimestre deste ano.