Em face das declarações do deputado federal Eduardo Bolsonaro na Índia, abaixo transcritas, esta consultoria apresenta um contraponto, trazendo parte de uma análise prospectiva publicada anteriormente.
O deputado Eduardo Bolsonaro defendeu neste domingo (26) a entrada de fabricantes estrangeiros de armamentos no Brasil, para aumentar o acesso da população a armas.
"Eu não quero falir a Taurus, quero apenas abrir o mercado para que haja concorrência e isso aumente a qualidade e baixe o preço", disse Eduardo. "Isso vai permitir que a população tenha mais acesso a armas, hoje em dia esse mercado é elitista, por causa dos preços das armas", disse. Eduardo faz parte da comitiva do presidente Jair Bolsonaro na visita oficial à Índia.
O deputado afirmou que irá se dedicar este ano à abertura do mercado brasileiro de armamentos. Hoje em dia, há poucas empresas fabricando armamento civil no Brasil, a estatal Imbel e a CBC-Taurus dominam o mercado. Eduardo afirmou que já teve videoconferências com a suíça-alemã SigSauer e a italiana Beretta, que querem se instalar no Brasil e fabricar no país.
De acordo com o deputado, o virtual monopólio da CBC-Taurus em armas de pequeno porte faz com que o preço de armamentos seja muito alto. Munição também, afirmou, é cinco vezes mais barata nos Estados Unidos.
Na segunda-feira, Eduardo participa do seminário conjunto de indústrias de Defesa da Índia e do Brasil que se realiza em Déli. Dez grandes empresas brasileiras de armas, munição, vigilância e aviação fazem parte da delegação do presidente Bolsonaro. O governo quer aumentar as vendas de armamentos para Índia.
Segundo Eduardo, também há expectativa de aumentar vendas de armamentos para o Oriente Médio, principalmente Arábia Saudita e Emirados Árabes.
No mercado interno, segundo o deputado, há muita burocracia que impede que indústrias bélicas estrangeiras se instalem, por causa do lobby para manter o virtual monopólio da Taurus.
O deputado quer também desburocratizar o acesso de atiradores e colecionadores - grandes entusiastas do presidente Bolsonaro - a armas.
Indagado, ele afirma que o maior acesso da população a armas não irá aumentar a criminalidade no Brasil.
"O que mata não é a arma, é o ser humano", disse Eduardo. "Antes de 2003 (adoção doe estatuto do desarmamento), havia muito menos mortos que hoje, o estatuto impede a população de ter arma, passa recado para a bandidagem: fiquem tranquilos."
Ele também afirmou que a redução de 22% na queda no número de mortes violentas em 2019 decorre também de um efeito moral do governo Bolsonaro. "Quando um presidente se diz armamentista, diz que invasor de terra será recebido a bala e que pretende dar à população acesso a armas, isso tem impacto sobre a bandidagem."
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CONTRAPONTO
Indústria de Armamentos: falta de isonomia tributária e regulatória pode levar empresas a abandonar o Brasil
*LRCA Consulting – 07/10/2019 (atualizado em 26/01/2020)
Indústria de Armamentos: falta de isonomia tributária e regulatória pode levar empresas a abandonar o Brasil
*LRCA Consulting – 07/10/2019 (atualizado em 26/01/2020)
Políticas tributárias e regulatórias favorecem somente importações
Para ilustrar o problema, esta consultoria toma o exemplo da Taurus Armas S.A., que, além de ser uma grande empresa de capital aberto que tem seus dados e notícias amplamente divulgados pela mídia especializada e pela imprensa em geral, é a empresa mais afetada pelas novas normas e pelas discrepâncias tributárias e regulatórias.
Sendo uma companhia global, a maior fabricante de armamento leve da América Latina e uma das maiores do mundo exporta 85% de sua produção para mais de 100 países e, assim, está absolutamente preparada para enfrentar a concorrência no Brasil e no exterior, pois compete com as maiores empresas de armas nos mercados de exportação e, por este motivo, não tem razão alguma para temer qualquer tipo de concorrência no Brasil, desde que haja isonomia tributária e regulatória.
Uma simulação permite entender melhor a questão tributária. Quando um cidadão compra uma arma, 70% do valor final são impostos e 30% é o valor do produto. Numa arma que custa R$ 4200,00 no Rio de Janeiro, os impostos federais e estaduais (IPI, PIS/CONFINS e ICMS) totalizam R$ 2.940,00. Subtraindo-se do restante o frete de R$ 265,00 que a empresa paga, o valor que esta recebe é de apenas R$ 995,00, por um produto que custou R$ 4200,00 ao consumidor.
Quando a arma é importada, não sofre a maior parte dessa carga tributária, criando uma concorrência desleal e predatória com os fabricantes locais.
Hoje, as leis beneficiam unilateralmente as exportações de armas para o Brasil e este tende a ser o sistema preferencial para as empresas estrangeiras, já que não há vantagem nenhuma para virem se instalar aqui, pois seriam tão penalizadas como a Taurus o é. Além disso, as empresas que exportam para cá não geram empregos e divisas para o País.
Quanto à questão regulatória (certificação de qualidade), para homologar um produto, se não tiver mais nada na fila, a Taurus alega demorar de 18 a 24 meses para obter a certificação junto aos órgãos competentes. Como a empresa tem hoje mais de 100 novos produtos na fila, pela média dos últimos tempos iria demorar muitos anos até homologar todos, o que significa expressivas perdas em oportunidades de negócios, em competitividade e em inovação.
Claro que isso é apenas uma perspectiva, pois certamente os órgãos governamentais irão criar mecanismos para agilizar o processo, como homologar laboratórios independentes e simplificar o mecanismo, por exemplo. Caso contrário, em condições de acirrada concorrência com outras não dependentes desse processo, nenhuma empresa sobreviveria a esse gargalo regulatório.
O problema é que a agilização desse processo não é algo que vá acontecer no curto prazo, diferentemente das importações, que começaram tão logo a nova norma legal passou a surtir seus efeitos. O resultado tende, assim, a vir em total detrimento da empresa brasileira.
Se uma empresa vier fabricar armas no Brasil, terá o mesmo problema regulatório. No entanto, as empresas que exportam para o País não precisam passar por nenhuma homologação, o que torna a concorrência estrangeira ainda mais predatória, pois elas conseguem, em seus países de origem, certificar novos produtos com muito mais agilidade e rapidez.
Logística pós-venda: um diferencial de peso
Um fato sobejamente conhecido neste mercado é a falta de mentalidade de manutenção de grande parte dos consumidores normais brasileiros e, até mesmo, de algumas entidades de segurança pública, fazendo com que as armas apresentem problemas diversos por falta de manutenção preventiva periódica e/ou após o uso diário em serviço. Segundo um documento do Comando Logístico do Exército, de 2016, “Em algumas instituições de segurança existe deficiência de política/gestão de manutenção preditiva, preventiva ou corretiva” das armas.
Isso fez com que a Taurus passasse a investir pesadamente na qualificação dos armeiros das entidades de segurança pública e privada, bem como na de sua equipe de representantes capilarizada por todo o país, procurando difundir a mentalidade de manutenção.
Além disso, a empresa oferece ao consumidor uma ampla e ágil rede de distribuidores, pontos de venda e assistência técnica treinada em todo o território nacional, além de uma equipe de instrutores credenciados e peças de reposição rapidamente acessíveis, fazendo com que, no médio prazo, a empresa tenha vantagens difíceis de superar por qualquer futura concorrência que venha, realmente, a se estabelecer no território nacional, fabricando aqui suas armas e gerando empregos e divisas para o Brasil.
Orgulho de ser uma empresa brasileira
Fundada em 1939 e sediada em São Leopoldo-RS, a Taurus é uma das empresas brasileiras que mais exportou em 2018 no Estado. Foram mais de 715 mil armas, entre revólveres, pistolas, fuzis, submetralhadoras e espingardas exportados pela Taurus Brasil, totalizando mais de U$ 132 milhões de dólares. A empresa contribuiu com a economia nacional arrecadando R$ 155,2 milhões em impostos e gerando milhares de empregos.
"Make in Brasil" ou "Make outside Brazil"?
Por mais que a posse de armas seja flexibilizada, é difícil imaginar no Brasil a mesma liberdade encontrada nos EUA. Isto torna o nosso mercado interno muito pequeno, o que faz com que uma indústria de armamentos não se viabilize apenas no País.
Com 85% da produção brasileira exportada, o movimento estratégico da empresa vai no sentido de diversificar a presença internacional e depender menos dos EUA, país que importa US$ 1 bilhão em armas por ano de diversos fornecedores mundiais. A Taurus mudou sua fábrica da Flórida para a Geórgia. Em parceria com o governo local, investiu US$ 42 milhões na unidade, o que a possibilita dobrar sua capacidade nesse país, passando a produzir até 800.000 armas/ano.
A empresa gaúcha é a líder mundial na fabricação de revólveres e a quarta marca mais vendida nos EUA. A pistola G2c, produzida em São Leopoldo, é a mais vendida nos Estados Unidos. No mundo, são 2 milhões de unidades comercializadas.
Desde o começo do ano, a Taurus está negociando uma joint venture com o grupo indiano Jindal para, dentro do programa “Make in India”, montar uma grande fábrica nesse país e passar a produzir e comercializar seu portfólio de armas portáteis para abastecer o seu imenso mercado militar, paramilitar, policial e de segurança privada.
Assim, possuindo uma moderna fábrica nos EUA - maior mercado mundial para armamentos leves - e com possibilidade de montar outra com todo o apoio do governo indiano, a Taurus, apesar de todo o orgulho em ser brasileira, de empregar milhares de brasileiros e de gerar divisas para o País, continua sendo uma empresa privada de capital aberto e, como tal, necessita ser lucrativa e remunerar seus acionistas, merecendo um tratamento isonômico do País para o qual tanto contribui. Caso contrário, não haverá mais motivos para permanecer no Brasil, podendo se transferir integralmente para o exterior, de onde poderia exportar seus produtos para cá em condições mais vantajosas.
Ao fim e ao cabo, caberá ao Brasil decidir se quer manter uma grande Empresa Estratégica de Defesa que é fundamental para a segurança e para a autonomia do pais no setor, que gera mais de 5 mil empregos diretos e 15 mil indiretos, além de milhões de dólares em exportações, ou se irá permitir que políticas tributárias e regulatórias equivocadas façam com que a empresa acabe deixando o País.
Ou seja, enquanto a Índia fomenta o "Make in India", o Brasil irá permitir o "Make outside Brazil"?
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