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14 dezembro, 2025

Brasil pode entrar na corrida dos drones de carga militar com tecnologia 100% nacional

Startup brasileira Moya Aero pode liderar transição tecnológica na defesa nacional 

Imagem meramente ilustrativa

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LRCA Defense Consulting - 14/12/2025

Os conflitos contemporâneos na Ucrânia e no Oriente Médio revelaram uma verdade estratégica incontornável: a mobilidade aérea autônoma não é mais um luxo militar, mas uma necessidade operacional. Enquanto uma startup israelense e a indústria chinesa - apenas como dois exemplos recentes - avançam rapidamente no desenvolvimento de drones de carga pesada para uso militar, o Brasil possui uma oportunidade singular de entrar nessa corrida tecnológica através da Moya Aero, empresa sediada em território nacional que está desenvolvendo uma solução inovadora de transporte aéreo não tripulado.

A revolução silenciosa das linhas de suprimento
A logística militar sempre foi o eixo em torno do qual giram a maioria das vitórias e derrotas nos campos de batalha. Hoje, porém, esse paradigma está sendo reescrito por aeronaves autônomas capazes de transportar mantimentos, munição, equipamentos médicos e suprimentos críticos diretamente para as tropas em combate, sem expor soldados aos riscos das rotas terrestres tradicionais.

O fenômeno é global e acelerado. De Israel aos Estados Unidos, da China ao Reino Unido, potências militares investem bilhões no desenvolvimento de plataformas aéreas não tripuladas capazes de revolucionar a cadeia logística militar. O Brasil, através da Moya Aero, tem a oportunidade de participar ativamente desta transformação com tecnologia genuinamente nacional.

Panorama global: a corrida tecnológica dos drones de carga militar

- Estados Unidos: experiência de combate e inovação contínua
Os Estados Unidos lideram em experiência operacional comprovada. O Kaman K-MAX (CQ-24A), helicóptero não tripulado capaz de transportar até 2.700 kg, já acumulou missões reais de combate no Afeganistão entre 2011 e 2013. Durante 33 meses de operação, o sistema transportou mais de 2 milhões de quilos de suprimentos, substituindo 900 comboios terrestres vulneráveis e salvando incontáveis vidas ao eliminar a exposição de soldados às rotas minadas.

O sucesso do K-MAX inspirou novos desenvolvimentos. A Kaman apresentou o KARGO, drone compacto projetado desde o início como sistema autônomo, capaz de transportar 360 kg e compacto o suficiente para caber em containers ISO padrão. A empresa Grid Aero, por sua vez, desenvolveu o Lifter Lite, verdadeira "caminhonete voadora" com capacidade entre 450 e 3.600 kg e alcance impressionante de aproximadamente 2.400 km, especificamente projetado para operações no Teatro do Pacífico.

Outra solução inovadora é o Silent Arrow GD-2000, drone planador que pode ser lançado de aeronaves de carga como o C-17, transportando 159 kg sem necessidade de infraestrutura de pouso preparada. A versão motorizada em desenvolvimento promete revolucionar o conceito de entrega de última milha em teatros de operação.

- China: dominância em carga pesada
A China demonstra ambições claras de dominar o segmento de carga pesada. O SUNNY-T2000, com capacidade de 2 toneladas e alcance superior a 1.000 km, já saiu da linha de produção em Shenyang. Mas é o Air White Whale W5000 que impressiona: com capacidade para impressionantes 5 toneladas de carga, alcance de 2.600 km e velocidade de cruzeiro de 526 km/h, tornou-se o maior drone de carga não tripulado do mundo. Apresentado no Airshow China 2024 em Zhuhai, o W5000 utiliza turboélices AEP-100 desenvolvidos nacionalmente, demonstrando o avanço chinês em autonomia tecnológica.

O arsenal chinês inclui ainda o Tengen TB-001D Scorpion D (1.500 kg de capacidade) e o Feihong-98, biplano baseado no veterano An-2 soviético, já realizando voos comerciais de carga autônomos. A diversidade de plataformas chinesas revela uma estratégia abrangente cobrindo todo o espectro de necessidades logísticas militares.

Drone de carga chinês SUNNY-T2000

- Reino Unido: agilidade tática e uso comprovado
Os britânicos apostam em plataformas menores e mais ágeis. A Malloy Aeronautics, recentemente adquirida pela gigante BAE Systems, desenvolveu a família T-150 e T-650. O T-150, com capacidade de 68 kg, já está em uso operacional pelos Royal Marines e foi fornecido à Ucrânia, onde provou seu valor entregando sangue, munição e suprimentos médicos sob fogo inimigo.

O T-650 representa o próximo passo evolutivo: 300 kg de capacidade, velocidade de 140 km/h e propulsão 100% elétrica. Durante demonstrações, o sistema transportou torpedos Sting Ray e foi armado com três mísseis Brimstone (150 kg total), evidenciando versatilidade para missões além da simples logística. A entrada em serviço está prevista para 2025.

- Israel: hidrogênio e autonomia em combate
Israel, forjado em conflitos constantes, desenvolveu soluções especializadas. A startup Heven Drones, fundada por veterano do conflito em Gaza, criou drones movidos a células de hidrogênio capazes de transportar 35 kg com autonomias entre 100 minutos e mais de 10 horas. O diferencial estratégico é a capacidade de operar sem dependência de GPS, crucial em ambientes com intensa guerra eletrônica.

A Heven tornou-se fornecedora exclusiva das Forças de Defesa de Israel para drones pesados a hidrogênio, com meta de equipar cada batalhão israelense até o final de 2025. Em parceria com a Mach Industries nos Estados Unidos, planeja produzir 1.000 unidades mensalmente na Califórnia, evidenciando a escala e urgência com que forças ocidentais estão se reequipando.

Drone de carga militar israelense da Heven Drones

Moya Aero: o potencial brasileiro
É neste contexto estratégico global que a Moya Aero, startup brasileira com expertise em desenvolvimento aeroespacial, apresenta uma alternativa nacional promissora. Fundada em 2020 como spin-off da ACS Aviation, empresa com mais de 15 anos de experiência em engenharia aeronáutica, a Moya está desenvolvendo uma família de drones elétricos que pode posicionar o Brasil como protagonista neste mercado estratégico.

Especificações técnicas da família Moya Cargo
A empresa brasileira desenvolve atualmente dois modelos elétricos complementares sob uma arquitetura compartilhada:

Moya 256: projetado para resposta rápida e média distância, o modelo 256 oferece autonomia de até 160 km, ideal para missões táticas e entregas urgentes em teatros de operação regionais.

Moya 760: com alcance estendido de até 190 km e capacidade de carga útil de 190 kg, este modelo representa a versão de maior capacidade da plataforma, adequada para missões logísticas mais exigentes.

Ambos os modelos utilizam tecnologia eVTOL (decolagem e pouso vertical elétricos) com configuração tiltbody inovadora, permitindo transição entre voo pairado e voo de cruzeiro horizontal. Esta configuração reduz em mais de 50% o arrasto aerodinâmico em comparação com outras configurações eVTOL Lift + Cruise, segundo dados da própria empresa.

Versão híbrida: expandindo horizontes operacionais
Reconhecendo as limitações de autonomia dos sistemas puramente elétricos, a Moya Aero desenvolveu uma versão híbrida que combina propulsão elétrica e convencional. Esta variante mantém a capacidade de carga útil de 200 kg enquanto estende o alcance operacional para impressionantes 300 km, triplicando a autonomia da versão elétrica inicial.

A versão híbrida oferece flexibilidade estratégica crucial para operações militares, permitindo alternar entre fontes de energia conforme a necessidade da missão. Para operações de baixa visibilidade e emissão térmica reduzida, o modo elétrico pode ser priorizado. Para missões de longo alcance onde velocidade e autonomia são prioritárias, o sistema híbrido entra em ação.

Características técnicas detalhadas:

  • Capacidade de carga útil: 190-200 kg (conforme modelo)
  • Alcance operacional: 160-190 km (versão elétrica) / 300 km (versão híbrida)
  • Envergadura: 5,5 metros (protótipo)
  • Tipo: eVTOL Classe 1 (acima de 150 kg de peso máximo de decolagem)
  • Propulsão: 100% elétrica ou híbrida elétrica-convencional
  • Emissões: zero emissões no modo elétrico
  • Construção: materiais compostos (fibra de carbono e resina epóxi)
  • Configuração: tiltbody com transição thrust-to-wing
  • Autonomia: autônoma (piloto automático integrado)

Validação tecnológica e avanços recentes
Em agosto de 2024, a Moya Aero alcançou um marco técnico crucial ao completar com sucesso o primeiro voo de transição de um protótipo em escala reduzida (20% do tamanho final). O teste demonstrou a conversão de voo pairado propulsivo para voo de asa sustentada, validando o conceito aerodinâmico e os sistemas de controle de voo.

O protótipo em escala real já realizou seu primeiro voo bem-sucedido sob comando de Alexandre Zaramela, CEO e projetista do eVTOL. A aeronave está atualmente em fase de testes rigorosos visando certificação pela ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), com conversas em andamento sobre os procedimentos regulatórios necessários.

A filosofia da Moya vai além da simples entrega de carga entre dois pontos. A empresa visa conectar locais remotos, áreas sem infraestrutura estabelecida e regiões inacessíveis por métodos tradicionais. Essa capacidade, desenvolvida inicialmente para aplicações civis em logística, agricultura e operações de resgate, possui aplicabilidade direta em cenários militares.

Aplicações militares e vantagens estratégicas
Um drone de carga como o que está sendo desenvolvido pela Moya Aero poderia atender necessidades críticas das Forças Armadas brasileiras:

- Logística em fronteiras e Amazônia: o Brasil possui vastas extensões de território com infraestrutura precária ou inexistente, particularmente na região amazônica e ao longo das fronteiras. Com alcance de até 300 km na versão híbrida e capacidade de transportar 200 kg, os drones Moya permitiriam o reabastecimento rápido de destacamentos isolados, reduzindo a dependência de transporte terrestre vulnerável ou helicópteros tripulados caros. A capacidade de operar em modo totalmente autônomo, com piloto automático integrado, reduz ainda mais a necessidade de infraestrutura especializada.

- Evacuação aeromédica: a capacidade de transportar 200 kg possibilita não apenas o envio de equipamentos médicos e medicamentos, mas também a evacuação de feridos em macas especializadas. Em operações na selva ou em áreas remotas, onde o tempo de resposta é crítico para a sobrevivência, essa capacidade pode ser decisiva.

- Redução de riscos: ao automatizar rotas de suprimento, as Forças Armadas poderiam reduzir significativamente a exposição de pessoal a emboscadas, minas terrestres e outros perigos das rotas convencionais. A construção em materiais compostos (fibra de carbono e resina epóxi) confere resistência estrutural mantendo baixo peso operacional.

- Autonomia tecnológica: desenvolver capacidade nacional em drones militares logísticos reduziria a dependência de tecnologia estrangeira, fortalecendo a soberania tecnológica brasileira em um setor estratégico. A Moya Aero já recebeu R$ 10,3 milhões da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos) e conta com investimentos de fundos como Seed4Science e aceleradoras como Hards e Techstars, demonstrando confiança institucional no projeto.

- Custo-benefício: a empresa afirma que os custos operacionais do Moya eVTOL são 50% menores que helicópteros tradicionais, permitindo maior frequência de missões com orçamentos limitados. Operação com zero emissões no modo elétrico também alinha o equipamento com metas de sustentabilidade cada vez mais relevantes até para instituições militares.

Comparativo de capacidades
Comparado a dois dos sistemas internacionais exemplificados, o Moya Aero apresenta um posicionamento intermediário estrategicamente relevante:

  • Versus Heven Drones (Israel): enquanto o sistema israelense oferece autonomia superior (até 10 horas) com células de hidrogênio, possui capacidade de carga limitada a 35 kg. O Moya 760 transporta quase seis vezes mais carga (190-200 kg), embora com menor autonomia na versão elétrica. A versão híbrida brasileira oferece um meio-termo interessante entre capacidade de carga e alcance.
  • Versus SUNNY-T2000 (China): o drone chinês é claramente superior em capacidade bruta (2 toneladas vs 200 kg) e alcance (1.000 km vs 300 km). Porém, essa diferença de escala implica em maior complexidade operacional, custos mais elevados e necessidade de infraestrutura de apoio mais robusta. Para muitas missões logísticas táticas brasileiras, especialmente em terreno complexo como a Amazônia, a agilidade e menor pegada logística do Moya podem representar vantagens operacionais significativas.

A Moya Aero já possui mais de 100 cartas de intenção para compra de unidades, incluindo 50 aeronaves da Helisul Aviação, operadora de helicópteros que contribui com expertise logística para o desenvolvimento do projeto. Este interesse comercial valida a viabilidade técnica e econômica da plataforma.

A tecnologia de propulsão elétrica da Moya Aero, embora ofereça autonomias inicialmente menores que os sistemas movidos a hidrogênio da Heven Drones, apresenta vantagens em simplicidade operacional, custos de manutenção e disponibilidade de infraestrutura de recarga. Para muitas operações militares brasileiras, especialmente em áreas com algum grau de infraestrutura estabelecida, essa pode ser uma solução mais prática.

Desafios e caminho à frente
A adaptação de uma plataforma civil para uso militar não é trivial. Requer modificações em sistemas de comunicação para operar em ambientes com contra-medidas eletrônicas, blindagem adicional para componentes críticos, capacidade de operação noturna e em condições meteorológicas adversas, além de integração com sistemas de comando e controle militares.

No entanto, a experiência acumulada pela equipe da Moya Aero em desenvolvimento, certificação e lançamento de inovações aeroespaciais coloca a empresa em posição favorável para essa transição. A abordagem modular da plataforma, com arquitetura compartilhada entre múltiplos modelos, facilita a adaptação para diferentes requisitos operacionais.

O momento é propício. Com investimentos militares globais em sistemas aéreos não tripulados atingindo níveis recordes, o Ministério da Defesa brasileiro tem a oportunidade de apoiar o desenvolvimento nacional nesta tecnologia crítica. A parceria entre governo, academia e iniciativa privada, neste caso representada pela Moya Aero, poderia posicionar o Brasil não apenas como usuário, mas como desenvolvedor e eventual exportador de tecnologia de drones de carga militar.

Alternativa tecnológica genuinamente brasileira: questão de de soberania nacional
A guerra moderna está sendo redefinida pela autonomia aérea. Enquanto Israel aposta em drones movidos a hidrogênio com longas autonomias e a China impressiona com capacidades de carga pesada, o Brasil não precisa ficar para trás. A Moya Aero representa uma alternativa tecnológica genuinamente brasileira, desenvolvida com conhecimento local e adaptada às necessidades específicas das nossas Forças Armadas.

O desenvolvimento de drones de carga militares não é apenas uma questão de modernização das Forças Armadas, mas de soberania nacional. Em um mundo onde a mobilidade aérea autônoma se tornou fator decisivo em conflitos, investir em capacidade nacional nesta área é investir na defesa e no futuro estratégico do Brasil.

A pergunta não é mais se drones de carga se tornarão ferramentas militares essenciais, mas quando o Brasil decidirá participar ativamente dessa revolução tecnológica. 

 

*Nota do Editor: a LRCA Defense Consulting não possui qualquer tipo de vínculo com a Moya Aero e também não consultou a empresa para produzir esta matéria. O objetivo é apenas apontar uma alternativa brasileira para uma necessidade das Forças Armadas nacionais.

13 dezembro, 2025

Programa de Trump para carros voadores pode abrir portas para a Eve, da Embraer, nos EUA

Iniciativa presidencial de US$ 850 milhões impulsiona setor de eVTOL e cria oportunidades indiretas para subsidiária brasileira sediada na Flórida

 

*LRCA Defense Consulting - 12/12/2025

A administração Trump surpreendeu o mercado aeroespacial em junho de 2025 ao lançar o eVTOL Integration Pilot Program (eIPP), um ambicioso programa que visa colocar os Estados Unidos na vanguarda da mobilidade aérea urbana até as Olimpíadas de Los Angeles em 2028. A iniciativa, que já atraiu mais de US$ 850 milhões em novos investimentos privados, promete revolucionar o transporte nas cidades americanas com aeronaves elétricas de decolagem e pouso vertical.

Embora o programa priorize explicitamente empresas americanas, a Eve Air Mobility, subsidiária da brasileira Embraer com sede operacional em Melbourne, Flórida, pode se beneficiar significativamente dessa maré de investimentos e desenvolvimento regulatório que está transformando o setor.

O Programa Trump: ambição olímpica
O eVTOL Integration Pilot Program estabelece um prazo audacioso de três anos para demonstrações públicas durante os Jogos Olímpicos de 2028. O governo federal selecionará pelo menos cinco projetos piloto, com o requisito obrigatório de que utilizem aeronaves e tecnologias desenvolvidas por entidades sediadas nos Estados Unidos.

A resposta do mercado foi imediata. A Archer Aviation, uma das favoritas para participar do programa, captou US$ 850 milhões adicionais logo após o anúncio presidencial. A empresa californiana já garantiu acordo exclusivo para operações durante as Olimpíadas, uma vitrine global que pode valer bilhões em contratos futuros.

"Esta é uma oportunidade geracional para os Estados Unidos liderarem a próxima revolução no transporte", declarou o presidente Trump durante o anúncio, enfatizando seu desejo de ver eVTOLs "construídos na América".


Eve: entre dois mundos
A posição da Eve Air Mobility neste novo cenário é simultaneamente privilegiada e delicada. Fundada em outubro de 2020 como spin-off da Embraer e listada na Bolsa de Nova York desde 2022, a empresa opera em uma zona cinzenta da elegibilidade para o programa Trump.

Por um lado, a Eve mantém sede operacional nos Estados Unidos, com escritórios em Melbourne, Flórida, no endereço 1400 General Aviation Drive. A empresa também está listada na NYSE sob o código EVEX, o que lhe confere status de companhia americana de capital aberto.

Por outro lado, a Eve permanece subsidiária da Embraer, gigante aeroespacial brasileira, e planeja capacidade de produção de 480 unidades anuais em quatro plantas localizadas em Taubaté, no Brasil. Esta configuração cria ambiguidade sobre se a empresa seria considerada "entidade sediada nos Estados Unidos" para fins do programa federal.

"A interpretação do Departamento de Transportes será crítica", explica um analista do setor que preferiu não se identificar. "Se privilegiarem a sede legal e operacional, a Eve está dentro. Se focarem em origem e manufatura, fica complicado."

 

Portfolio robusto apesar da incerteza
Independentemente da elegibilidade direta no programa Trump, a Eve Air Mobility chega a este momento com credenciais impressionantes. Até março, a empresa acumulava contratos para 2.850 pedidos de eVTOLs, representando um backlog de US$ 8 bilhões provenientes de 30 clientes em 13 países.

Entre esses clientes está a United Airlines, que investiu US$ 15 milhões na Eve e fez pedido condicional de até 400 aeronaves - 200 firmes e 200 opcionais. Esta parceria estratégica com uma das maiores companhias aéreas americanas pode ser o atalho da Eve para participação indireta no programa federal, já que a United demonstrou interesse em integrar eVTOLs em suas operações domésticas.

No front regulatório, a Eve mantém meta de entrada em serviço para 2027. A agência brasileira ANAC publicou os critérios finais de aeronavegabilidade em novembro de 2024 e sinalizou intenção de acelerar a certificação para 2026. Simultaneamente, a empresa formalizou processo de validação de Certificado de Tipo com a FAA americana, buscando aprovação bilateral que lhe permita operar nos dois maiores mercados das Américas.

Os benefícios indiretos: uma maré que impulsiona todos os barcos
Mesmo sem garantia de participação direta no programa piloto, analistas identificam pelo menos quatro vetores através dos quais a iniciativa Trump deve beneficiar a Eve Air Mobility.

1. Aceleração regulatória
O programa direciona explicitamente a FAA a agilizar aprovações e criar novos frameworks de certificação para eVTOLs. Tradicionalmente, o processo de certificação de novas aeronaves pela FAA pode levar uma década ou mais. Com a pressão presidencial para demonstrações funcionais até 2028, a agência está sendo forçada a modernizar e acelerar seus procedimentos.

"Qualquer empresa buscando certificação FAA se beneficia quando a agência se torna mais ágil", observa um consultor aeroespacial. "A Eve já está em processo de validação simultânea com FAA e ANAC. Uma FAA mais rápida significa entrada mais rápida no mercado americano, independentemente de quem participa do programa piloto."

2. Infraestrutura compartilhada
O programa está catalisando investimentos maciços em infraestrutura de solo para eVTOLs. Estados como Michigan já estão instalando redes de carregadores em aeroportos. Cidades estão planejando vertiportos - os equivalentes de heliponto para as novas aeronaves elétricas.

Esta infraestrutura, uma vez construída com dinheiro público e privado para atender participantes do programa Trump, estará disponível para todos os operadores certificados. É um clássico caso de externalidade positiva: a Eve poderá usar vertiportos e estações de carregamento financiados para beneficiar seus concorrentes.

3. Validação de mercado
O foco nas Olimpíadas de 2028 criará uma vitrine global sem precedentes para a tecnologia eVTOL. Milhões de espectadores ao redor do mundo verão as aeronaves em operação real, transportando atletas, oficiais e espectadores pelos céus de Los Angeles.

Demonstrações bem-sucedidas por empresas como Archer e Joby durante os Jogos terão efeito legitimador para o setor como um todo. O ceticismo de investidores e potenciais clientes - ainda significativo em relação a carros voadores - será reduzido não apenas para os participantes diretos, mas para todas as empresas oferecendo tecnologia similar.

"Se funcionar bem em Los Angeles, CEOs no mundo todo vão querer eVTOLs para suas cidades", prevê um analista de mercado. "E terão múltiplas opções de fornecedores certificados para escolher, incluindo a Eve."

4. Expansão via parceiros estratégicos
A United Airlines, parceira estratégica da Eve, também manifestou interesse em participar do programa piloto, provavelmente operando aeronaves Archer inicialmente. Se a companhia aérea expandir suas operações eVTOL através do programa federal, isso pode criar demanda adicional por aeronaves Eve em rotas complementares ou em outras cidades fora do programa piloto.

Grandes operadores como United tipicamente preferem diversificação de fornecedores para evitar dependência excessiva de um único fabricante. O sucesso inicial com um fornecedor no programa Trump pode, paradoxalmente, abrir portas para fornecedores alternativos como a Eve em expansões subsequentes.

 

Os riscos: vantagem do primeiro a se mover
Nem tudo são flores no cenário criado pela iniciativa presidencial. A priorização explícita de fabricantes americanos pode criar vantagens competitivas difíceis de superar para a Eve.

Archer e Joby, ambas californianas e participantes confirmadas do programa, receberão apoio governamental substancial e visibilidade incomparável durante as Olimpíadas de 2028. A Archer já garantiu acordo exclusivo para os Jogos. Essas empresas chegarão ao mercado com operações comprovadas, dados de voo reais e o imprimatur do governo federal.

O timing também preocupa. Archer e Joby esperam certificação FAA até o final de 2025 ou início de 2026, potencialmente chegando ao mercado americano um ou dois anos antes da Eve, cuja meta é 2026-2027. Em mercados de tecnologia emergente, a vantagem do primeiro a se mover pode ser determinante.

Há ainda o fator do nacionalismo econômico. A ênfase retórica em produtos "Made in America" pode criar barreiras informais mesmo após a certificação. Contratos governamentais, compras de órgãos públicos e até preferência de consumidores podem favorecer fabricantes percebidos como puramente americanos.

Estratégias para navegar o novo cenário
Diante deste quadro complexo de oportunidades e riscos, especialistas apontam cinco estratégias que a Eve deveria considerar para maximizar os benefícios da iniciativa Trump:

- Clarificação imediata: engajar proativamente com o Departamento de Transportes para esclarecer critérios de elegibilidade e potencialmente qualificar-se para o programa com base na sede operacional em Melbourne, Flórida.

- Hedge de manufatura: considerar estabelecer capacidade de montagem final nos Estados Unidos, mesmo que os principais componentes venham do Brasil. Isso atenderia possíveis requisitos de conteúdo nacional em contratos futuros.

- Alavancagem de parceiros: intensificar colaboração com United Airlines e outros parceiros americanos que podem servir como veículos indiretos de participação, operando aeronaves Eve com apoio federal mesmo que a empresa não participe diretamente do programa.

- Aceleração de certificação: aproveitar o momentum criado pelo programa Trump para pressionar por validação FAA mais rápida, capitalizando na urgência da agência para demonstrar resultados até 2028.

- Marketing diferenciado:pPosicionar-se como alternativa "hemisférica ocidental" versus competição asiática ou europeia, enfatizando décadas de cooperação aeroespacial entre Estados Unidos e Brasil e o histórico da Embraer no mercado americano.

 

Otimismo cauteloso
O programa eVTOL de Trump representa um divisor de águas para a mobilidade aérea urbana nos Estados Unidos. Com US$ 850 milhões já mobilizados e o prestígio das Olimpíadas de 2028 em jogo, o setor de carros voadores está prestes a decolar de forma literal e figurada.

Para a Eve Air Mobility, a iniciativa é primariamente uma "maré alta que impulsiona todos os barcos" - uma expressão do mercado financeiro que descreve situações onde todos os participantes de um setor se beneficiam de condições favoráveis. Aceleração regulatória, desenvolvimento de infraestrutura e validação de mercado beneficiarão todas as empresas certificadas, independentemente de participação direta no programa federal.

No entanto, as vantagens serão assimétricas, favorecendo fabricantes puramente americanos como Archer e Joby. A Eve precisará navegar habilmente esta nova realidade, usando sua sede em Flórida, suas parcerias estratégicas e o prestígio técnico da Embraer para conquistar seu espaço no céu americano.

Com um backlog de US$ 8 bilhões e alguns dos principais operadores do mundo já como clientes, a empresa brasileira-americana tem fundamentos sólidos. A questão agora é transformar oportunidades indiretas em participação de mercado concreta quando os carros voadores finalmente levantarem voo sobre as cidades americanas.

A corrida está apenas começando, e Los Angeles 2028 será o primeiro grande teste. Para a Eve, o desafio é garantir que, mesmo não sendo estrela principal do show olímpico, consiga um papel importante nos atos seguintes da revolução da mobilidade aérea urbana.

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